Fugas - Viagens

  • Um castanheiro com mais de 150 anos é um símbolo vivo frente à casa
    Um castanheiro com mais de 150 anos é um símbolo vivo frente à casa Jerry Lampen/Reuters
  • Anne Frank, Amesterdão, 1935
    Anne Frank, Amesterdão, 1935 Reuters/AnneFrank House
  • Um visitante observa páginas do diário de Anne na Casa Anne Frank
    Um visitante observa páginas do diário de Anne na Casa Anne Frank Cris Toala Olivares/Reuters
  • Casa Anne Frank
    Casa Anne Frank Evert Elzinga/AFP
  • Casa Anne Frank
    Casa Anne Frank Michael Kooren/Reuters

Da casa de Anne Frank via-se um castanheiro

Por Anabela Mota Ribeiro

Segunda Guerra Mundial. Oito pessoas viveram dois anos num anexo de uma casa na Prinsengracht 263, em Amesterdão. Uma delas era uma menina de 13 anos que escreveu um diário. O famoso diário de Anne Frank. Na vida dessa menina como as outras, sabemos do seu mundo, da vida sob ocupação, o segredo, o medo. E aprendemos sobre a humanidade. Um milhão de pessoas visitam a sua casa todos os anos.

“Viajámos num comboio comum de passageiros. (...) Anne não saía da janela. Lá fora era Verão. Pradarias, campos de restolhos, vilas voavam. Os fios telefónicos à direita, ao longo do caminho, dançando para cima e para baixo acompanhando as janelas. Era como se fôssemos livres.”

Lá fora era Verão e os Frank viajavam de comboio. O pai, Otto, o único sobrevivente da viagem — e do anexo — escreveu anos mais tarde sobre esse último sopro de liberdade. Ou para ser exacta, do que parecia ser um sopro de liberdade e era uma linha até à morte. Mas havia anos que Anne não via os campos, as vilas a voar e podia imaginar sentir a brisa na cara.

Vamos ao princípio da viagem. Numa manhã de Agosto igual às outras, quando os campos deviam estar de um amarelo intenso como nos quadros de Van Gogh — é assim que imaginamos a Holanda no Verão —, os oito habitantes do anexo da Prinsengracht 263 foram presos. Os Frank, os van Pels e Fritz Pfeffer.

Anne e a irmã Margot, a mãe Edith, o pai Otto são levados para o campo de concentração e extermínio Auschwitz-Birkenau. As duas meninas são depois levadas para Bergen-Belsen, onde morrem em Março de 1945, devido à falta de condições e de comida. Primeiro Margot, logo depois Anne. De tifo. A poucas semanas da libertação e do fim da guerra. Dois meses antes, em Janeiro de 1945, Auschwitz já tinha sido libertada pelas tropas russas.

Só a 3 de Junho, no regresso a Amesterdão, e depois de um sinuoso périplo pela Ucrânia e França, Otto soube da morte das filhas (na viagem de regresso já lhe tinham contado da morte da mulher).

E agora?

O começo da viagem é outro, na verdade. De certa maneira começa no dia 8 de Julho de 1942, quando a família deixa a sua casa no centro de Amesterdão e se refugia num anexo secreto. Na entrada do diário de Anne Frank desse dia pode ler-se: “Parece que passaram anos desde domingo de manhã. Aconteceu tanta coisa que é como se, de repente, o mundo se tivesse voltado de pernas para o ar. Mas como podes ver, Kitty, ainda estou viva, e isso é o principal, diz o Papá”.

A primeira coisa que Anne enfiou num saco, quando os pais lhe anunciaram, a ela e à irmã, que iam “mergulhar” (expressão usada para designar a passagem à clandestinidade), foi o diário-amiga a quem chamou Kitty (“Quero que o diário seja como uma amiga, e vou chamar a essa amiga Kitty”). É por causa dele que hoje sabemos dela.

O diário tinha sido oferecido a Anne pouco antes, pelos seus treze anos. Tinha uma capa axadrezada em vermelho e branco e foi preenchido numa caligrafia regular, segura. Há páginas em que há fotografias de família, mas no essencial é texto, um bloco sólido de texto.

A primeira entrada é de 14 de Junho. Nessa e nas seguintes, a despeito de uma noção crua do contexto de guerra e de perseguição aos judeus, Anne é uma menina com os sonhos e o mundo de uma menina de 13 anos, despreocupada. Apresenta as suas colegas de escola, caracteriza-as, bem como os rapazes, anota disputas infantis. “J. é uma coscuvilheira detestável, dissimulada, presumida e hipócrita, que pensa que é muito crescida. Jacque está enfeitiçado por ela, o que é uma pena.”

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