Fugas - Viagens

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O dia em que o céu de Sint-Niklaas se enche de balões que celebram a paz

Por Sousa Ribeiro

Tem a maior praça da Bélgica, remonta ao séc. XIII e por ela passou Napoleão, elevando-a a cidade. Em tempos designada Jardim da Flandres, recebe a visita de mais de cem mil pessoas no primeiro fim-de-semana de Setembro, todos de olhos erguidos para festejar o Vredesfeesten.

Uma locomotiva voadora no céu azul? Do mítico Expresso do Oriente? Em Sint-Niklaas, no primeiro fim-de-semana de Setembro, tudo é possível: elevando-se sobre a Grote Markt, balões de múltiplas cores e motivos vão pintando a abóbada do mundo, enquanto no rosto das crianças se desenha uma expressão de contentamento, as mãos erguendo-se como se pudessem tocar aqueles pássaros gigantes.

Afasto-me um pouco e continuo a leitura do livro iniciado ontem, dia de mercado na cidade, O Homem que era quinta-feira, de Gilbert Keith Chesterton.

“Será mais inteligível se vos disser que gostei dele por ele ser tão gordo?

- Já sei – exclamou Bull. Foi por ele ser tão gordo e tão ágil. Precisamente como um balão. Pensamos sempre que as pessoas gordas são também pesadas, mas ele seria bem capaz de dançar mais ligeiro do que uma sílfide. Era isso que eu queria dizer. A força mediana manifesta-se como violência, a força superior manifesta-se como agilidade. É como essas velhas especulações que perguntam o que aconteceria se um elefante pudesse saltar no ar como um gafanhoto?”

Nos céus de Sint-Niklaas há elefantes e, em todo o país, não há praça com a dimensão da desta cidade flamenga (rivaliza com a Praça Vermelha, em Moscovo, e a Praça de São Pedro, no Vaticano) com pouco mais de 70 mil habitantes, a que se juntam outros cem mil quando chega o momento de viver o famoso Vredesfeesten (significa a festa da paz), o festival que celebra a libertação de Sint-Niklaas pelas tropas inglesas da ocupação alemã, a 9 de Setembro de 1944.

O balão está pronto para subir e sinto que Albert Boekholt, ao meu lado, permanece inquieto, a face até há pouco rosada vai adquirindo um tom esbranquiçado e, ao primeiro impacto, quando a chama impulsiona a elevação, este holandês convidado por um amigo belga a participar no evento agarra-se com firmeza, cravando as mãos naquela espécie de varanda sobre a praça que se vai enchendo a bom ritmo, todos os olhares fixos nas alturas, como quem espera um milagre.

- Sabes por que razão há sempre muitas batatas fritas nas paragens dos autocarros na Bélgica?

Albert Boekholt abana a cabeça, em sinal negativo, e eu conto-lhe a anedota:

- Chega um holandês e pergunta as horas ao belga que está a comer batatas fritas. Instantaneamente, o belga vira a mão para olhar o relógio no pulso e deixa cair as batatas.

Albert Boekholt ri com gosto e a minha intenção de lhe restituir alguma serenidade parece surtir efeito. Ele olha a cidade, a torre da câmara municipal ameaçando tocar os balões, cada vez em maior número no bonito céu azul. No total, serão uns oitenta mas são largados vinte de cada vez porque a praça, embora ocupe uma área superior a três hectares, não comporta espaço suficiente para uma largada em massa. As ruas de Sint-Niklaas estão agora desertas, as pessoas, semelhando-se a formigas vistas de cima, convergem todas para a praça, para assistir a um espectáculo cheio de cor que antecede outras manifestações culturais e gastronómicas nas artérias adjacentes e vedadas, não apenas neste fim-de-semana mas ao longo de todo o ano, ao trânsito — uma realidade que a transforma numa das cidades mais amigas dos peões em todo o país.

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