Sobre um saveiro em quilha, o casco propriamente dito, sobrepunha-se uma série de traves de reforço chamadas cavernas. Nas duas amuradas, duas tábuas, os bordados, criavam uma espécie de balaustrada de protecção. Na parte frontal, uma pequena cobertura criava a carlinga, onde se localizava uma pia. O arrais, piloto e comandante do barco, instalava-se em cima de um pequeno palco, as apegadas, de onde manobrava a espadela, o enorme leme preso na parte anterior a um “parafuso” instalado numa “chumaceira”. O mastro, reforçado com uma tábua na perpendicular que unia os dois bojos da embarcação, erguia-se na parte anterior, suspendendo a verga de onde pendia a vela. Havia ainda uma cozinha, onde se acendia lume. Tudo para acondicionar da melhor forma possível uma tripulação de marinheiros (uma designação tolerada porque chegavam ao mar) que incluía, para lá do arrais, um feitor da proa, o feitor da espadela, um moço que cozinhava, quatro cabresteiros que ajudavam a manejar com cabrestos a pesada espadela, um vinhateiro que zelava pelas pipas e três ponteadores que ajudavam a definir a trajectória do barco com o recurso a pás.
Na sua era de glória, nos séculos XVIII e XIX, chegou a haver 2500 rabelos a cruzar o Douro. Em 1941 ainda estavam registadas 231 embarcações. Entre as diferentes eras da vida prática destes barcos alimentou-se e transmitiu-se um saber sobre os humores do rio que jamais descurou o perigo do naufrágio e da morte. Não há registo detalhado do número de vítimas desta epopeia que exigia uma viagem de três dias para descer o rio e, no mínimo, uma semana para vencer um desnível de 40 metros até Barqueiros (125 entre a foz e Barca de Alva) no regresso ao Alto Douro. A existência de lugares com o nome de “Malvedos” (nome de uma quinta emblemática da Grahams’s, junto ao Tua) do “Roncão”, na zona da actual quinta da Romaneira, de “Diabude” ou “Olho de Cabra” atestam o relato de lugares malditos, cuja travessia exigia cuidado, saber e a ajuda da Providência. A existência de pequenas capelas votivas, como a de Nossa Senhora de Cardia, espalhadas ao longo do rio dá-nos conta desse medo e dessa necessidade de protecção. Todos os anos as margens do Douro acolhiam destroços dos rabelos naufragados, aos quais as populações ribeirinhas chamavam simplesmente “mortos”.
Na primeira fase da sua implantação no rio, as barcas que ligavam o interior ao mar, fazendo do Porto o pólo terminal da vida agrícola do Douro, os principais pontos da navegação seriam o Tua, o Pinhão, a Régua e Barqueiros. Dali saíam não apenas vinhos, mas também o sumagre e as frutas de espinho (limões e laranjas). Do Tua para cima, o actual Douro Superior, era um outro mundo, voltado para Castela ou para as Beiras. Um enorme rochedo, o cachão da Valeira, tornava impraticável a navegação acima da foz do Tua. Só depois de 1792 se rebentou o cachão (um rochedo de grandes dimensões) que obstruía a passagem e a viagem pôde prosseguir, permitindo que a mancha da vinha que acelerava desde o final de Seiscentos chegasse finalmente a essa última fronteira da região demarcada. Hoje, uma inscrição coeva, visível acima das águas da albufeira da Valeira, num dos mais empolgantes troços do Douro, invoca essa façanha da vontade humana e da engenharia.