Fugas - Viagens

  • Barco Rabelo no Douro entre Porto e Gaia. ©CASA ALVÃO, COLECÇÃO DO INSTITUTO DOS VINHOS DO DOURO E DO PORTO, I.P.
    Barco Rabelo no Douro entre Porto e Gaia. ©CASA ALVÃO, COLECÇÃO DO INSTITUTO DOS VINHOS DO DOURO E DO PORTO, I.P. DR
  • Carregação de pipas de vinho no Alto Douro. Durante séculos, o rio e os seus barcos foram os únicos meios disponíveis para transportar o vinho desde a zona de produção até ao entreposto exportador, no Porto e Gaia. ©CASA ALVÃO, COLECÇÃO DO INSTITUTO DOS VINHOS DO DOURO E DO PORTO, I.P.
    Carregação de pipas de vinho no Alto Douro. Durante séculos, o rio e os seus barcos foram os únicos meios disponíveis para transportar o vinho desde a zona de produção até ao entreposto exportador, no Porto e Gaia. ©CASA ALVÃO, COLECÇÃO DO INSTITUTO DOS VINHOS DO DOURO E DO PORTO, I.P. DR
  • As juntas de bois eram não apenas fundamentais para levar as pipas até aos rabelos, como para os puxar com cordas desde a margem nas viagens de regresso ao Douro quando a corrente se mostrava mais forte. ©CASA ALVÃO, COLECÇÃO DO INSTITUTO DOS VINHOS DO DOURO E DO PORTO, I.P.
    As juntas de bois eram não apenas fundamentais para levar as pipas até aos rabelos, como para os puxar com cordas desde a margem nas viagens de regresso ao Douro quando a corrente se mostrava mais forte. ©CASA ALVÃO, COLECÇÃO DO INSTITUTO DOS VINHOS DO DOURO E DO PORTO, I.P. DR
  • Na sua época áurea, chegaram a circular 2500 rabelos no Douro. ©CASA ALVÃO, COLECÇÃO DO INSTITUTO DOS VINHOS DO DOURO E DO PORTO, I.P.
    Na sua época áurea, chegaram a circular 2500 rabelos no Douro. ©CASA ALVÃO, COLECÇÃO DO INSTITUTO DOS VINHOS DO DOURO E DO PORTO, I.P. DR

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O Douro dos rabelos que acabou há meio século

Nem por isso a Valeira deixou de ser um ponto no qual a força do Douro, que no seu leito de cheia se compara em caudal aos gigantescos Dniepre ou o Volga, mostra uma particular crueldade. A morte nesse local tornou-se recorrente e nem a capela de São Salvador do Mundo, no alto de uma das montanhas que cerca o vale, obstou a essa força selvagem. Foi aí que, em 12 de Maio de 1861, morreu o Barão de Forrester — no barco seguiam também Gertrudes, a celebrada cozinheira do Águia d’Ouro cuja morte Camilo Castelo Branco tanto lamentou, e Dona Antónia, que se salvaria. Numa terra na qual a dureza do clima, do solo e do trabalho sempre propiciou explicações sobrenaturais para as coisas do mundo, a morte do barão, o homem que passou meia vida a sulcar as águas do Douro para lhe dedicar os mais belos mapas que alguma vez a cartografia sobre a região produziu, só podia servir de mau presságio. No final do século, esse medo é ainda retratado nas novelas do escritor Campos Monteiro, de Moncorvo. A viagem do Pocinho para a Régua era encarada como uma prova que tinha o Juízo Final como limite.

A chegada do comboio

O medo da torrente, as perdas em homens e em vinho que os acidentes frequentes proporcionavam eram escolhos que a era do progresso e da técnica teriam de resolver. A chegada do caminho-de-ferro ao vale começava pela primeira vez a tornar-se uma ameaça para o reinado secular da navegação. Em 1875 o comboio atinge a Régua, em 1879 o Pinhão, em 1882 o Tua e, finalmente, em 1887, chega a Barca de Alva. Os cerca de 180 quilómetros entre a Espanha e o mar venciam-se agora numa jornada de horas, sem os incómodos nem os perigos dos rabelos que rangiam rio abaixo numa luta permanente contra os redemoinhos e as rochas traiçoeiras. É verdade que o preço a pagar depois da viagem e do cruzamento dos cerca de 50 túneis que o traçado exigiu impunha que os passageiros chegassem ao destino pretos da fuligem do carvão. Mas sempre se podia evitar o cachão da Valeira ou o Olho de Cabra.

Numa era de emergência causada pela filoxera, um insecto proveniente da América do Norte que devastou as vinhas do Douro na segunda metade do século XIX, foi já o comboio que levou ao Douro toneladas de sufureto de carbono com o qual se acreditava poder suster o avanço da praga. Fotografias do final do século mostram-nos já o cais da estação da Régua cheio de pipas de vinho prontas a embarcar para Gaia. A vida dos rabelos, dos arrais e toda a mitologia que construíram, e que hoje se atesta nas centenas de ex-votos espalhados pelas capelas e igrejas da região, começa aqui a entrar num declínio acentuado. O golpe fatal aconteceria já nos anos 1950, quando para lá dos comboios os rabelos têm de começar a suportar a concorrência dos camiões cisterna, que faziam a ligação directa entre os lagares do Douro e as pipas das caves de Gaia onde o vinho do Porto inicia o seu período de maturação e aprimoramento.

Na Primavera de 1964 ou de 1965, os rabelos carregados de vinho do Alto Douro fizeram a sua derradeira viagem até ao Porto, mas o seu longo e importante lastro na região e no seu vinho impediram que a vocação do rio para a navegação nunca fosse enterrada para sempre. Quando as primeiras barragens do Douro português começaram a ser construídas (à de Carrapatelo, 1964/1971, seguiram-se Bagaúste, Valeira, Pocinho e Crestuma-Lever), projectou-se sempre um sistema de eclusas que não impedisse de vez a presença no Douro de barcos capazes de ligar a foz a Espanha. Nos anos 1980, o ambicioso projecto de navegabilidade do Douro recuperaria esse legado e, através do alargamento e aprofundamento do canal, tornou a via navegável para barcos com capacidade até 2500 toneladas.

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