Fugas - Viagens

Glauco Umbelino (flickr.com/geoglauco)

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O artista limitado que produziu obra de uma beleza sem limites

O aspecto físico de Aleijadinho produziu um efeito tão negativo em Januário que este, confidenciando com os amigos momentos antes de materializar a sua decisão, terá dito que preferia a morte a servir um senhor tão feio. A verdade é que Januário acabou por se salvar, tornando-se a tal ponto dedicado ao seu senhorio que assumia ele próprio a responsabilidade de puxar o burro que transportava Aleijadinho, bem como de o colocar ou tirar do lombo do animal.

Muito se tem especulado sobre a doença de Aleijadinho mas as opiniões, vindas de médicos ou de leigos, divergem quase sempre: para uns, tratava-se de lepra nervosa; para outros, de Mal de Hansen ou Mal de São Lázaro; para outros ainda, de ictus cerebral provocado pela sífilis; finalmente, há ainda quem defenda que o artista mestiço sofria de siringomielia, ou de framboesia tropical, ou tornara-se vítima da fácies leonina dos morféticos, ou de zamparina ou, finalmente, de tromboangeíte obliterante. E, de acordo com estudos mais recentes às ossadas de Aleijadinho, terá ficado demonstrado que ele sofria de porfíria, uma afecção que é caracterizada por sensibilidade à luz, provocando uma dermatite grave e deformante.

Esta ou aquela, aquela ou aqueloutra, a doença de Aleijadinho nunca o impediu de trabalhar mas, com 39 anos e gozando à época de um certo reconhecimento nos meios artísticos de Minas Gerais, desde que os primeiros sintomas se começaram a manifestar o mestre tornou-se um homem em permanente conflito com a sociedade que o rodeava, manifestando uma agressividade que até aí nunca se lhe conhecera e remetendo-se a uma reclusão da qual apenas prescindia à noite.

Nessas horas, quando a penumbra invadia o casario, Aleijadinho dedicava-se à sua verdadeira e única paixão, contando com a ajuda de três escravos, o já referido Januário, Agostinho e Maurício, cabendo a este último – bem identificado com a arte do entalhe – a tarefa de adaptar os ferros (formão) e o macete (malho) às mãos tão imperfeitas do escultor.

Mais do que nunca, Aleijadinho passou a ser respeitado, pelo seu talento em primeiro lugar mas por personificar, de igual forma, a imagem de um homem determinado, corajoso, persistente, tenaz e, a um certo nível, obstinado. “… O artista não era repudiado, ao contrário, era procurado. Ele próprio é que se esquivava.

A consciência que tinha da desagradável impressão que causava a sua fisionomia tornava-o intolerante e mesmo iroso para com os que o observavam de propósito; entretanto, ele era alegre e jovial com as pessoas da sua intimidade”, escreveu Rodrigo José Ferreira Bretas sobre o mulato que, a despeito de ter ganho muito dinheiro, era descuidado por natureza e vítima de um incontável número de roubos – uma outra grande parte era canalizada para o escravo Maurício e era visto, segundo relatos do século XIX, como um exemplo de caridade para com os pobres, a quem distribuía esmolas com frequência.

O encontro com os profetas

Aleijadinho espalhou a sua obra, entre talha, projectos arquitectónicos, relevo e estatuária, por diferentes cidades de Minas Gerais mas as mais proeminentes podem ser vistas na igreja de São Francisco de Assis, em Ouro Preto, e no Santuário de Bom Jesus de Matosinhos, que agora, ao início da manhã de um sol pálido, se desenha à minha frente, como um obstáculo intransponível na minha caminhada feita de passos serenos. Tudo tem início na segunda metade do século XVIII, quando um português, Feliciano Mendes, com graves problemas de saúde causados pelo excesso de trabalho na exploração das jazidas de ouro, promete mandar erguer um templo no Morro do Maranhão, em Congonhas do Campo, caso se curasse do mal de que padecia.

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