Fugas - Viagens

Glauco Umbelino (flickr.com/geoglauco)

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O artista limitado que produziu obra de uma beleza sem limites

Natural de Braga, Feliciano Mendes idealiza um monumento semelhante ao Bom Jesus, empenhando-se, mal Deus atendeu às suas preces, em recolher donativos e esmolas em diferentes lugares do estado, sempre acompanhado da imagem do Senhor Bom Jesus, que transportava num pequeno oratório de madeira. Um ano mais tarde, em 1758, iniciam-se as obras do santuário mas, em 1765, já com o templo praticamente concluído, Feliciano Mendes morre, o que não inviabiliza o prosseguimento dos trabalhos, executados pelos melhores artistas graças à acção desenvolvida pelo português e à rapidez com que se começou a difundir o culto do Senhor do Bom Jesus de Matosinhos.

Congonhas do Campo – Congonhas deriva de uma planta à qual os índios chamavam congöi e que significa, em tupi, o que sustenta ou o que alimenta – foi um importante centro de mineração de onde saíram grandes fortunas. Há quem jure, baseando-se em relatos dos seus antepassados, que algumas pepitas de ouro tinham o tamanho de batatas (é bem verdade que o tubérculo atinge dimensões distintas), no tempo da famosa lavra designada como Batateiro. Não é de estranhar que, perante tanta riqueza, as esmolas para a conclusão da obra se fossem acumulando, motivando a criação de uma confraria – e aquele que deveria ser um templo modesto rapidamente se transformou num santuário sumptuoso que cada vez atraía mais fiéis. 

Já em finais do século XVIII, em 1796, o poder do dinheiro motivou a chegada de Aleijadinho a Congonhas do Campo e, com a ajuda dos seus assistentes especializados, o mestre logo deu início ao trabalho de dotar as capelas que se estendem ao longo da ladeira com cenas da Paixão de Cristo – também conhecidos por Passos da Paixão de Cristo –, um conjunto escultórico de uma beleza infinita, imagens esculpidas em madeira de cedro (um total de 66, em tamanho real) com policromia posterior (da autoria do pintor Manuel da Costa Ataíde) que são uma manifestação da grandiosidade da obra produzida por Aleijadinho.

Antes de começar a descer a colina, conduzo os meus passos para o interior da basílica, lanço olhares demorados ao altar-mor e às capelas laterais, à imagem de Jesus Cristo crucificado e escoltado por dois anjos no trono, aos múltiplos painéis com representações bíblicas e saio de novo para respirar a brisa da manhã, agora mais concentrado nos 12 profetas em pedra-sabão que me parecem fitar com uma expressão de angústia, de tristeza, de mal-estar, talvez os sentimentos que Aleijadinho carregava quando lhes dava vida, já no início do século XIX – ou como personagens do teatro descontentes com o papel que lhes foi atribuído ou para o qual estão mal preparados.

Despeço-me de Isaías, de Jeremias, de Baruc, de Ezequiel, de Daniel, de Oséias, de Joel, de Abdias, de Amós, de Jonas, de Habacuque e de Naum mas ainda não digo adeus a Congonhas do Campo, Património Mundial da UNESCO desde 1985. Passo pela Romaria, local de abrigo dos peregrinos pobres durante o jubileu em tempos de antanho e restaurada há menos de dez anos (integra o Museu de Arte Sacra), passo pelo Museu de Mineralogia e vagueio por outras igrejas, menos mediáticas mas muito interessantes, como a da Nossa Senhora do Rosário, com a sua santinha em pau oco (de grande importância nos tempos do contrabando do ouro) e, sem pressas, pelo casario, sentindo o pulsar desta cidade com menos de 50 mil habitantes.

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