Mas um dos principais rastilhos do entusiasmo relativo ao trail acende-se no campo da motivação, como concede o também psicólogo: “O que procuramos ao longo de toda a vida são desafios e, neste caso concreto, para além de uma moda — essa vontade de entrar em concordância com a multidão —, há sobretudo uma necessidade de desafio muito forte, em que as pessoas vão assumindo objectivos cada vez mais ousados.”
Dos que se deslocaram do estrangeiro para participar no Grande Trail da Serra d’Arga, muitos são emigrantes que voltam à terra, saudosos dos montes de outros tempos. Depois, “é muito pelo convívio, para estar com os amigos e repor as calorias todas no almoço depois da prova”, explica o runner Luís, enquanto acerta o lenço na cabeça, a minutos da partida do trail curto.
Talvez das uvas em volta goteje o sumo para o tal almoço. Mas antes que o porco cheire a pronto no espeto, o aroma a bálsamo para massajar os músculos domina a praça. Entre a multidão, próximo do coreto, o número 2093, João Xinhua, balança braços e pernas, compõe as meias, sorri nervoso. O 1403 exibe a coxa tranquila no banco de granito.
O senhor Carlos, presidente da junta, corre de um lado para o outro, de telemóvel ao ouvido. Vai à aldeia de Dem numa carrinha de caixa aberta; volta numa de caixa fechada, com três voluntários (o evento conta com 250, 80% são habitantes da Serra d’Arga). “Ó Susana, faz cuidado! Isto o que interessa é acabar a prova. Não vale a pena matares-te!” Toca o sino da igreja de Montaria. Partida.
Sangue, suor e lama
Como andores em dia de procissão, duas minicâmaras de vídeo erguem-se entre 600 corredores. “Não se distraiam a tirar fotos”, avisava Carlos Sá antes da partida, mas o culto da imagem — estática e em movimento — é mais forte. Gonçalo, de 13 anos, e Hélder, de 16, são os nossos guias por terras de Arga. Discutem entre eles o que há-de impressionar mais no percurso. Um diz que são as quedas de água do Pincho; o outro insiste no plano das águas bentas — o alto da Nossa Senhora do Minho, o miradouro da capela de São Mamede ou o lugar de São Francisco.
Subimos por entre bois robustos, pastores que usam do aceno para dar-nos alento, maciços de granito e bouquets de tojo entre as cabras. Travam-se os olhos frente ao pêlo dos garranos, a raça protegida de cavalos com Minho e Trás-os-Montes no ADN, com que se cruzam os atletas durante a prova. Do alto da serra, a 800 metros, ouve-se o rancho de Vilar de Murteda a cantar no sopé e há quem se sente nas rochas a ver que tal se portam os runners. “Olha, vem aí o Luís!” “Aquele não é o Luís, pá. O Luís é mais gordo!”, comenta a torcida.
Os Luíses, Pedros e Josés serpenteiam o trilho marcado por bandeiras cor-de-laranja. São miniaturas movediças na imensidão das rochas. Alguns param a meio da subida para respirar, suster os músculos e ampliar o fôlego. “Ai, Jesus, olha este… Tem os joelhos que mais parece Cristo a passar…”, nota uma mulher de Dem, freguesia vizinha, enquanto espera que o filho e a nora subam a encosta. “Eles andam sempre nisto das corridas”, conta.