Fugas - Viagens

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Os desbravadores de montanhas

O tojo deixa marcas até nas peles mais resistentes e muitas pernas acabam num misto de sangue, suor e lama. “Parece que andaram a peregrinar”, retoca Gonçalo, nosso guia. Perto de Tranzâncora, as dificuldades são outras: raízes de pinheiros e árvores de menor porte rebentam do chão, tornando o trilho escorregadio. Lá em baixo fica o ribeiro e uma queda nunca seria meiga, por isso, corre-se com prudência, concentração e pés firmes no solo.

O percurso “não pode ser demasiado duro, mas deve ter alguma dureza, obstáculos naturais, pedras, lugares onde temos de saltar pelas árvores, cursos de água e os melhores cenários de beleza, respeitando sempre o meio natural”, explica o organizador da prova. Dos desníveis com pontos de fuga que aterram no mar de Âncora até calçadas romanas, os atletas perfuram aldeias preservadas, cruzam o parque eólico, percorrem os quatro elementos — o fogo vai dentro do corpo.

Como explica José Carlos Santos, “não se trata apenas da distância e do tempo, mas de ultrapassar obstáculos num ambiente de isolamento”. Esse respirar fora da bolha do dia-a-dia, o exercício da força (física e psicológica), a superação e o contacto com as raízes que rebentam a terra são “uma terapia mais completa do que qualquer outra”, considera o presidente da ATRP, praticante de corridas de montanha há 20 anos. 

Cinco horas e 53 quilómetros depois, chegam à meta os primeiros atletas do ultra-trail. André Rodrigues, o vencedor, atira-se morto para o chão. Fazem-lhe perguntas, mas o que quer é esticar-se feliz no asfalto de Dem, onde o aparato das chegadas é composto por um animador ao microfone e colunas que vibram nas vozes de Kurt Cobain e Anthony Kiedis. O público empoleira-se sobre as grades, aplaude até as mãos arderem, conversa sobre o estado das coisas.

Do granito para o xisto
Da mesma forma que emigrantes vieram de Lyon para as margens do rio Âncora, muitos outros atletas amadores têm recorrido ao trail para viajar aquém e além-fronteiras. O turismo desportivo nos meios rurais tem corrido a boa velocidade, até porque quem participa num evento de trail running acaba por tocar em vários núcleos de negócio.

Como analisa o presidente da ATRP, “no sector interno, as provas geram um grande impacto nas comunidades locais, ao envolver as autarquias, a hotelaria, a restauração e o comércio; a nível externo, cada vez mais as provas portuguesas — como a da Serra d’Arga ou o Madeira Island Ultra Trail, que recebeu este ano 25 nacionalidades — recebem estrangeiros”.

Viajamos então para Sul, a caminho da serra da Lousã, com um Outubro a trazer chuva às aldeias do xisto e às AXtrail Series, um conjunto de provas carregadas de quilómetros. A maior é o Ultra Trail Aldeias do Xisto (UTAX): 109km, quatro concelhos, nove aldeias do xisto, quatro praias fluviais e o silêncio das horas serranas, tendo em conta que a corrida começa à meia-noite e pode prolongar-se por 24 horas. (O último a chegar à meta, Vitorino Coragem, 60 anos, viu o sol raiar e pôr-se, aguentando o passo de corrida e de caminhada durante 24 horas, 47 minutos e 28 segundos.)

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