“A prática de enviar grávidas para a ilha foi abolida em 1938 pelo missionário escocês Sharp, que começou a colocar na ilha os leprosos agressivos e perigosos”, explicou Comfort enquanto navegávamos em redor de Akampene, ainda antes de atracarmos demoradamente na ilha Njuyeera, mais conhecida por Sharp’s island por ser o local onde Sharp morou com a sua família quando não estava a trabalhar no hospital de Kabale.
Enquanto navegávamos a bordo das obwato em direcção ao extremo sul do lago, o sol já descia rapidamente atrás das montanhas, pelo que era tempo de ir ao encontro do calor de Mama Bena.
Lendas kiga em redor da fogueira
Quando cheguei a casa de Mama Bena, uma senhora de etnia kiga (bakiga) irradiando jovialidade e simpatia, fiquei imediatamente encantado. Era uma casa muito simples, sem electricidade nem água corrente, mas a promessa de boa comida, uma fogueira ao anoitecer e a genuína hospitalidade ugandesa, para além da localização privilegiada numa colina nas margens do lago, eram mais que suficientes para ultrapassar o desconforto.
Instalámos as tendas num relvado inclinado junto à pequena casa, enquanto os primeiros troncos de madeira seca foram sendo devorados pelas chamas numa fogueira em frente à casa de Mama Bena. A sua mãe, aparentando uns respeitáveis noventa e muitos anos e tapada com uma manta de cores garridas, observava sorridente a trupe de muzungus (homens brancos) que a iam cumprimentando, embora no seu íntimo – soube depois! – talvez estivesse triste. “É a primeira vez que um grupo fica em casa de Mama Bena desde que o pai morreu, há 2 meses; tinha 112 anos”, informou Ande.
Jantámos iluminados pelo amarelado do fogo. “No meu tempo”, contou Comfort, “só os maiores de 18 anos - os menores de idade só se tivessem caçado e matado um animal feroz - se podiam sentar em volta da fogueira com os adultos. Era aí que se discutiam os assuntos da comunidade e se partilhavam histórias, transmitindo o conhecimento de geração em geração.” E assim a noite foi passada, agradavelmente, ouvindo da boca dos homens curiosas lendas do povo kiga passadas no lago Bunyonyi. Faltava apenas o pai de Mama Bena.
Manhã cedo, tendas desmontadas e pequeno-almoço tomado, dirigimo-nos para as canoas para uma curta travessia até Kyevu, uma pequena aldeia nas margens do Bunyonyi onde vendedores locais começavam a instalar um mercado ao ar livre que haveria de fervilhar por volta do meio-dia – tarde de mais para o poder visitar. Caminhámos entre o pó constante das estradas de terra batida na estação seca e, à nossa passagem, as crianças corriam e gritavam num inglês básico, excitadas, cantando em coro numa estereofonia oriunda de todos os lados: “Au-ae-iu? Au-ae-iu? Au-ae-iu?” (how are you?). Por vezes, escondidos na vegetação, ouvia os cumprimentos vindos das colinas e vales sem ver vivalma nem perceber quem os proferia.
Twa, o povo sem terra
Estávamos a 100 metros de um ribeiro que serve de fronteira com o Ruanda quando Ande indicou um pequeno trilho colina acima: “Vamos visitar uma comunidade batwa”. Nómadas habitantes das florestas, o povo twa (batwa) - os “pigmeus” do Uganda - dependia inteiramente da floresta para sobreviver. Mas foram expulsos do seu habitat natural. Primeiro, empurrados pela tribo kiga (bakiga), agricultores, para territórios cada vez mais reduzidos, à medida que os kiga iam destruindo maiores porções de floresta para os seus terrenos de cultivo. Depois, com a criação de zonas protegidas, como a Floresta Echuya ou os parques naturais da Floresta Impenetrável de Bwindi e de Mgahinga, os twa foram definitivamente desapossados do seu meio natural. Actualmente, são um povo sem terra. Retirados da floresta e sem autorização para nela caçar, não têm forma de subsistir.