Cheguei a Kabale com um propósito bem definido. Queria conhecer o lago Bunyonyi a bordo de uma obwato, uma canoa tradicional esculpida em grossos troncos de eucalipto, e percorrer a pé as colinas que abraçam o lago, embalado pelas imaginativas lendas associadas às ilhas do Bunyonyi contadas como verdades absolutas pelos mais velhos habitantes da região.
Tinha esse plano desde que saí de Portugal, e a ideia saiu reforçada quando me encontrei com Miha Logan em Kampala, a capital do Uganda. Mentor da organização não-governamental Edirisa, baseada em Kabale, Miha possuía os contactos certos para que eu pudesse empreender a jornada.
Manhã cedo, saí de Kabale na companhia de Ande, um simpático ugandês de apenas 22 anos habituado a servir de guia no lago Bunyonyi, o muito prestável Comfort, braço direito de Ande, e um ocasional grupo de viajantes eslovenos que, beneficiando da nacionalidade comum a Miha, organizaram uma viagem semelhante ao que eu pretendia, embora mais curta. Para diminuir custos, juntei-me a eles.
À chegada às margens do lago, fui recebido por Miha numa pequena cabana de madeira onde nos foi explicado em detalhe o itinerário: o primeiro dia seria passado maioritariamente nas canoas, o segundo seria um dia de caminhada difícil com visita a uma comunidade da minoria twa (comummente referidos como batwa, que significa “os twa”, “gente da floresta” em proto-bantu) e, no terceiro, voltaria às canoas para visitar outras ilhas do lago, mas sozinho.
A entrada na canoa foi, digamos, periclitante. Porque era muito estreita. Porque parecia demasiado frágil. E porque abanava com qualquer movimento do corpo, o que fazia temer o pior para o futuro do equipamento fotográfico. Mas, ao fim de poucos minutos, observando a destreza com que os capitães (sim, chamam “capitão” ao timoneiro) manejavam os remos, sentia já segurança absoluta para começar a explorar as águas tranquilas do lago Bunyonyi.
A primeira paragem foi na ilha Bushara, uma das 29 ilhas que pontilham a paisagem do lago, para um retemperador refresco de maracujá num eco-resort básico instalado na ilha. Logo depois, a ilha Bwama, onde o missionário escocês Leonard Sharp fundou um hospital para leprosos em 1921 - em 2003 foi enterrado o último leproso e o hospital desactivado -, construiu uma igreja e uma escola secundária. Job, professor de Geografia, apresentou-nos a escola, não sem notar as enormes dificuldades com que os alunos se deparam em termos de material e condições de trabalho. Facto notório para o mais leigo dos viajantes ao entrar no “laboratório” de química, que mais não era que uma sala com meia dúzia de mesas onde repousava um conjunto de velhas pipetas e frascos com reagentes guardados num armário poeirento.
À vista estava a ilha Akampene (Punishment island), assim chamada por causa do seu passado macabro. Até meados do século passado, a gravidez pré-matrimonial não era de todo tolerada, pelo que as grávidas solteiras eram abandonadas à sua sorte na minúscula ilha Akampene. Não sendo comum saberem nadar e sem alimentos à disposição, a maioria acabava invariavelmente por perecer, à fome ou afogadas. As únicas sobreviventes deviam a sua sorte a homens pobres que, não tendo como pagar o dote para um casamento “normal” - dinheiro, vacas e cabras -, iam à ilha salvar uma destas grávidas para com ela casar.