Fugas - Viagens

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De canoa entre as brumas do lago Bunyonyi

Vi as minúsculas cabanas onde habitam sem o mínimo de condições, enquanto o líder da aldeia explicou as dificuldades do seu povo, demonstrou a perícia com que usam arco e flecha de madeira para caçar animais e mostrou algum artesanato muito simples que poderíamos comprar. “Ao invés de pedirem dinheiro aos turistas, eles agora fazem este artesanato para vender e poderem fazer algum dinheiro; é uma forma de ajudarmos os batwa”, explicou Ande. Comprei uma pulseirinha.

Continuamos a caminhar até chegarmos à base da colina Karembe preparados para pelo menos uma hora de sofrimento. Era, pois, altura de empreender a parte mais dura da viagem. Subimos, subimos e subimos ao longo de um trilho de cabras acidentado e com enorme declive, parando a espaços para beber água, descansar e retemperar energias nas sombras existentes. O grupo dividiu-se com naturalidade à medida que as dificuldades aumentavam e, quando cheguei ao topo de Karembe, já Ande e alguns eslovenos estavam refastelados no capim a descansar. O sol estava no seu pico máximo, mas meio litro de água e as vistas deslumbrantes sobre o lago amenizaram de alguma forma o cansaço. Daí para a frente, seria sempre a descer até um pequeno aglomerado de casas onde o grupo Habuhinga Bakiga demonstrou as suas danças tradicionais. Logo a seguir, de novo junto às margens do Bunyonyi, separei-me dos eslovenos: para eles a viagem estava terminada; eu seguia com Ande para casa de Tom. Um personagem.

Afável e bom conversador, Tom habita a única ilha pertença de habitantes locais, tendo ele a maior parcela de terreno; todas as outras ilhas do lago Bunyonyi pertencem a homens de negócios endinheirados ou investidores hoteleiros. “O meu pai podia tê-la vendido antes de morrer e não o fez, preferiu deixá-la aos filhos para termos onde ficar. Se eu agora a vendesse, para onde ia morar?”, justificou. Não por acaso, a ilhota chama-se precisamente ilha de Tom.

Tenda novamente montada, fogueira de novo acesa e o jantar cozinhado pelo próprio Tom quase pronto, eis que aparece Eric, com a sabedoria dos seus 88 anos e um instrumento tradicional nas mãos com remotas semelhanças a uma harpa. De estômago cheio, o ancião tocou e cantou para meu deleite e gáudio da esposa de Tom, que não resistiu a uma dança solitária junto à fogueira. Antes de recolher à tenda, Eric ainda teve tempo de contar algumas lendas – a sabedoria popular de anciões como Eric é algo extraordinário – e me garantir que o seu pai e avô “viram com os seus próprios olhos” a ilha em frente “virar-se ao contrário”. Já lá vamos.

De volta às canoas

Acordei cedo, olhei para o lago e mal podia acreditar no que se desenhava diante dos meus olhos. Era como se um talentoso pintor estivesse a pintar com aguarelas a paisagem à minha frente com uma paleta de inúmeros tons de cinza: o céu, o lago, as colinas em redor, o arvoredo, uma canoa que vagarosamente vinha em minha direcção. Fiquei mudo e quedo, observando a canoa, único ponto preto no horizonte, aproximar-se da ilha. Estava num ponto elevado da ilha tendo Tom como cicerone. Às tantas, apontou para a ilha vizinha e começou a contar uma curiosa história.

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