Fugas - Viagens

  • Almourol
    Almourol Enric Vives-Rubio
  • Geopark
    Geopark Enric Vives-Rubio
  • Marvão
    Marvão Pedro Cunha
  • Train Spot Guesthouse
    Train Spot Guesthouse DR
  • Train Spot Guesthouse
    Train Spot Guesthouse DR

Continuação: página 3 de 5

De comboio por um Tejo de castelos

“O nosso avô era servente primeiro, fazia de agulheiro e tratava das bagagens, e tinha uma casa ali atrás da igreja”, aponta Paulo, indicando a zona de canaviais do outro lado da linha. Hoje o regresso à estação de Marvão-Beirã faz-se novamente em família, já não à casa dos avós mas ao novo projecto da prima, Lina da Paz, que gere a Train Spot juntamente com o marido, Eduardo. “Lembro-me de virmos para aqui brincar, passávamos aqui as férias”, conta. “Vinha de comboio ter com os meus avós e descia aqui na estação”, recorda Lina.

É sob o tilintar ensurdecedor e insistente do sino da igreja, que chama os fiéis da freguesia à missa de domingo, que o grupo vai passeando pelos edifícios e percorrendo as seis linhas de carris, numa cronologia de histórias contada ora por Eduardo, Paulo ou Mateus. Erguida durante a criação do Ramal de Cáceres no final do século XIX — construído para estabelecer a ligação mais rápida entre Lisboa e Madrid —, a estação de comboios de Marvão-Beirã era a última paragem portuguesa antes da fronteira com Espanha. Posição que a tornaria num importante posto ferroviário durante o Estado Novo, com obras de expansão que lhe deram a configuração que mantém até hoje.

O edifício principal (para já encerrado a visitas ao interior) ainda tem intactos os painéis de azulejos assinados por Jorge Colaço (autor de obras semelhantes na estação vizinha de Castelo de Vide ou no átrio da Estação de São Bento, no Porto), onde se sucedem algumas das principais atracções do país: Lisboa, Évora, Nazaré, Tomar, Figueira da Foz e Marvão, entre outros. A separar cada painel, portas de madeira e quadriculados de vidro onde ainda se lê cada função: despachos/bagagens, fiscalização de passaportes, custom-house, alfândega aduaneira, guarda fiscal... É da mesma altura a criação de uma delegação da PIDE ali perto e do restaurante, ao lado do edifício principal, onde era possível comer e pernoitar, hoje transformado na guesthouse.

Foi junto à imponente lareira da antiga sala principal do restaurante, agora zona de convívio da Train Spot, que na noite anterior ouvimos as histórias de conspirações e reuniões de espiões, do contrabando “para onde se tinha de virar a população no Inverno”, da passagem de judeus em fuga durante a II Guerra Mundial e da saída, em direcção contrária, de “muito volfrâmio para a Alemanha nazi”. “A estação foi o que fez crescer a vila. No século XIX todos aqui trabalhavam, directa ou indirectamente”, contava Eduardo.

Agora, com os pés sobre os carris — onde pedras, ferro e madeira lutam contra a chegada da vegetação —, os olhos estão postos na casa senhorial existente do outro lado. “Pertence à família que era dona deste segmento do caminho-de-ferro e que tem, por isso, a única entrada directa para a linha”, contam, apontando para o portão, cujo acesso ainda desce até aos carris por entre o verde.

Com a abertura das fronteiras europeias, passados mais de 120 anos de actividade ferroviária e aduaneira, o ramal, e consequentemente a estação de Marvão, foram perdendo importância. O último comboio regional partiu de Beirã em direcção a Torre das Vargens, na Linha do Leste, a 31 de Janeiro de 2011. Em Agosto do ano seguinte, passava pela última vez o Lusitânia Comboio Hotel (que actualmente faz a tradicional ligação nocturna entre Madrid e Lisboa na Linha da Beira Alta), marcando o encerramento do Ramal de Cáceres.

--%>