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De comboio por um Tejo de castelos

Topo do mundo, leito do rio

“De Marvão vê-se a terra quase toda”, escrevia José Saramago em Viagem a Portugal, resultado de um périplo nacional publicado em 1981. Estamos no topo do topo da serra de São Mamede, a quase 900 metros de altitude, e são as palavras do Nobel português que ressoam à medida que as amplas vistas giram a 360º. Aqui é quase impossível resistir ao adágio deixado pelo escritor: “Compreende-se que neste lugar alto da torre de menagem do castelo, o viajante murmure respeitosamente: ‘Que grande é o mundo’”.

Deste lado, o olhar alcança rapidamente Espanha, avistando-se Valência de Alcântara ou Cáceres, que deu nome à linha ferroviária, mas também a mais distante cidade de Albuquerque. Daquele lado, a norte, a paisagem vai ondulando em montes sucessivos, só interrompida pela serra da Estrela lá ao fundo, a mais de 100 quilómetros de distância em linha recta. Vislumbra-se o delineado da serra da Lousã, a cidade de Castelo Branco e, mais perto, o casario de Castelo de Vide, entre outras localidades que irrompem aqui e ali no manto verde e cinzento. “Costuma-se dizer que cá em cima se vêem as andorinhas de costas”, conta Sofia, uma das passageiras desta escapadinha.

É íngreme a subida pelas ruas sinuosas da vila, que vão correndo paralelas à crista rochosa em direcção ao castelo. Um chão de pedras cinzentas a combinar com o bordado de portas e janelas vai desenhando a malha urbana amuralhada, a maioria das casas caiadas de branco imaculado e de arquitectura alentejana. Por vezes, surgem janelas manuelinas, traçados góticos, passagens entre edifícios que criam arcos nas ruas empedradas, diversas peças feitas com o granito local.

A meio caminho, visitamos a Torre do Relógio e Prisões, transformada numa oficina e loja de artesanato com uma minúscula ala museológica onde se replica uma antiga sala de aula. Não faltam o quadro de ardósia, os velhos mapas de parede, as carteiras pregadas ao acento e a fotografia de Marcelo Caetano.

Embora não seja claro se terão existido ocupações anteriores desta zona, a construção do castelo confundir-se-à com a própria fundação da vila, atribuída à figura de Ibn Maruán, que durante a revolta contra o Emirato de Córdova ali se terá refugiado e mandado erguer a fortificação, no século IX. Palco de importantes conflitos da história portuguesa, da Reconquista às Guerras Liberais, foi sendo transformado e adaptado ao longo dos séculos. Além da Torre de Menagem, é de destacar a cisterna principal, uma das maiores entre os castelos portugueses. Com 10 metros de altura e 46 de comprimento, acumulava água suficiente para seis meses e é hoje palco de inusitados concertos acústicos.

Depois de um almoço retemperador de sabores tradicionais alentejanos, ainda em Marvão, é ao Tejo que voltamos, que este passeio tem quase tanto de fluvial quanto de ferroviário. Iniciamos o percurso do Trilho das Jans ao largo de mais um castelo, em Amieira do Tejo, mas desta vez não há tempo de entrar.

Estamos em contra-relógio relaxado q.b., o tempo medido na luz solar que ameaça desaparecer antes de chegarmos ao destino e no comboio que ainda teremos de apanhar na outra margem do rio, após novo serpenteado de curvas. Rapidamente deixamos o rendilhado urbano da pequena freguesia e enveredamos por entre terrenos baldios, campos agrícolas, vinhedos, estevas, giestas, sobreiros, medronheiros e cogumelos.

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