Fugas - Viagens

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Qatar, tão longe do passado e tão perto do futuro

Num emirado onde não há partidos políticos e muito menos oposição, o medo de dar a cara e o nome impera mas, à conversa, na companhia de um chá que custa pouco mais de 20 cêntimos de um euro, facilmente se chega à conclusão de como é difícil o dia-a-dia destas gentes, por vezes trabalhando a temperaturas próximas dos 50 graus. “Com o pouco que resta ao fim do mês, depois de enviado dinheiro para a família, cada um é obrigado a uma grande ginástica para gerir da melhor maneira uma verba que terá de cobrir as despesas com a alimentação, com o aluguer da casa, com os transportes e com o telemóvel. Para a maioria dos imigrantes, a vida no Qatar resume-se a trabalhar, a comer e a dormir”, admite, em voz baixa, Nasih Chatholi. “E muitos deles vivem em casas que abrigam mais de 20 pessoas”, acrescenta este imigrante indiano que assume uma expressão nostálgica quando evoco as paisagens de Kerala, no sul da Índia, de onde é natural. 

Longe das famílias, não tendo mais do que um ou dois amigos com quem conversar nas poucas horas livres que lhe são proporcionadas (e só eles sabem quantas horas perdem, ao início do dia ou ao final da tarde, no meio de um trânsito caótico), muitos destes imigrantes não sentiram dificuldade para se adaptarem à vida de Doha, principalmente aqueles que aqui trabalham há mais tempo.

“Para quem, há 20 anos, chegava ao Qatar, vindo de cidades como Peshawar, Karachi, Cairo, Dhaka ou Thiruvananthapuram, Doha assemelhava-se a uma pequena cidade, com uma atmosfera, pelo menos em certas zonas, como Musherib, que não se diferenciava muito daquela com que estavam familiarizados, com as suas barbearias, os seus pequenos cafés, os restaurantes, os cheiros, todo um modo de vida que não provocava qualquer tipo de choque cultural nos recém-chegados. Naturalmente, sentiam saudades da mulher, dos filhos, da família e dos amigos mas o ambiente que os rodeava atenuava, de certa forma, esse sentimento e a distância”, enfatiza Nasih Chatholi.

Em pouco tempo, metade de Musherib foi demolida e da outra pouco ou nada resta nos dias de hoje, obrigando os seus habitantes a dispersarem-se por outras zonas, uma separação que, em simultâneo — tanto é o tempo que se desperdiça em transportes públicos —, coloca um ponto final numa relação de amizade que se foi fortalecendo ao longo dos anos. Em 2018, a velha Musherib não será mais do que uma área residencial destinada à classe média-alta, demasiado cara para os imigrantes viverem ou alugarem um espaço onde possam continuar a desempenhar a sua actividade nos moldes em que estavam habituados.

Perante o cada vez maior número de estrangeiros a viver em Doha, vindos de outros quadrantes, troca-se um barbeiro por um cabeleireiro, um pequeno restaurante onde se serve comida deliciosa por quatro euros por outro, num hotel, com ar condicionado, onde se cobra vinte vezes mais, uma pequena loja com cheiros fortes e preços acessíveis por um hipermercado inodoro e caro.

No mesmo ano, em 2018, quando as obras estiverem concluídas, Musherib será a estação de metro onde todas as linhas se irão cruzar, uma delas, a Linha Vermelha, com uma extensão de 174 quilómetros, ao longo de 20 estações que irão ligar Messaieed a Al Khor e, 90 quilómetros a norte de Doha, a Ras Laffan; outra, correndo ao longo de 128 quilómetros, a Linha Verde, com um total de 32 estações, também com início em Musherib, servirá a Cidade da Educação, a Área Industrial Sul e, a norte, Umm Salal; outra, ainda, a Linha Dourada, ligará o Aeroporto Internacional Hamad à cidade de Al Waab, rasgando Doha de oriente a ocidente, igualmente com passagem por Musherib.

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