Uma quarta, a Linha Azul, estabelecerá conexão com cada uma das outras e, por essa altura, com muitas das obras já terminadas, quando Musherib nada mais tiver a ver com a imagem de um passado recente, sendo pouco mais do que um dormitório ou um conjunto de bocas de onde sai gente apressada do metro, serão muito menos os imigrantes a ter vontade de viver em Barwa, uma pequena cidade-satélite situada a uns dez quilómetros da velha Doha para onde hoje começam a ser evacuados, muito mais os que partiram de regresso a Peshawar, a Karachi, ao Cairo, a Dhaka ou a Thiruvananthapuram. Talvez porque eles já não se revêm na cidade; talvez porque a cidade já não precisa deles.
Admirável Souq Waqif
Como Musherib, também o Souq Waqif esteve quase condenado à demolição mas, graças à visão de alguém que viu nesta área enorme potencial turístico, tem vindo a ser inteligentemente renovado para dar a ideia de um bazar do século XIX, com elegantes casas caiadas, algumas delas originais, esculpidas com delicados motivos arabescos e as suas traves de madeira. O projecto de revitalização, da responsabilidade de Mohamed Ali Abdullah, baseou-se num minucioso estudo da existência do Souq Waqif e dos seus edifícios, tendo como principal objectivo inverter o processo de delapidação das suas estruturas históricas e remover adições ou alterações inapropriadas. O arquitecto procurou, com sucesso, rejuvenescer a memória do espaço, com a demolição dos prédios modernos e a substituição das folhas de metal por madeira e bambu nos tectos, ligadas por camadas de barro e de palha, como em tempos imemoriais.
Para tornar o espaço mais confortável, foram reintroduzidas técnicas tradicionais para isolar os edifícios contra as altas temperaturas que se fazem sentir e criado um sofisticado sistema eléctrico que ilumina e torna ainda mais charmosas as ruas e vielas de um souq que, contrariamente a alguns parques temáticos espalhados pelo Golfo Pérsico, permanece como um lugar onde turistas e locais se misturam, um lugar de lazer mas também de compras na sua forma mais ancestral — enfim, um lugar de trabalho.
O Souq Waqif é o coração social de Doha, onde os costumes ainda estão bem presentes, assim como a verdadeira identidade árabe da qual os qataris, a despeito de um novo modelo de vida ocidental, não abdicam, sentindo prazer em reunir-se nos cafés tradicionais, bebendo o seu chá e fumando guedou, o narguilé dos persas — e cada um deles, sendo cliente habitual, tem o seu próprio cachimbo de água. Por isso, o bazar permanece como um local admirável para se deambular sem pressas pelas suas vielas labirínticas, escutando os sons, sentindo os cheiros, observando o vaivém de clientes e a indolência daqueles que, no interior das lojas, esperam pacientemente que alguém lhes entre pela porta.
No exterior, indianos ou paquistaneses continuam fiéis às suas pequenas bancadas onde consertam relógios, outros estão sempre atentos a um papel ou a uma ponta de cigarro que um turista possa lançar para o chão, outros ainda conduzem, uma vez requisitados pelos vendedores (a troco de cinco euros), pequenos carrinhos de mão que ora se detêm, ora avançam, mediante as necessidades e as incursões dos compradores, muitas das vezes mulheres que, a pouco e pouco, se aventuram sozinhas, contrariando os hábitos de uma sociedade altamente patriarcal.