Fugas - Viagens

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Luleå (Like), Gammelstad (Like)

- À sua direita fica a igreja, basta-lhe olhar para a torre para não perder a orientação. E, caso se perca, até pode ser uma boa ideia. Mais cedo ou mais tarde, alguma alma o irá ajudar a encontrar o caminho de volta. Este é um lugar para percorrer sem pressas, contrariando a tendência do mundo.

Palavras enigmáticas da simpática motorista que, por segundos, se misturavam com o enigma de não me recordar onde havia avistado pela última vez – e não a primeira – o homem que, carregando uma mochila, perscrutara a fotografar em Luleå e do qual perdera o rasto.

À minha frente, observada por alguns turistas, recorta-se a igreja, para um lado e para o outro, pequenas casas de madeira pintadas de um vermelho escurecido, tão característico da Suécia, com as suas cortinas brancas e rasgadas a meio por ruas envoltas numa quietude sonhadora. Aqui e acolá, alguém corta a relva ou apara as sebes, mais além, rompendo o silêncio, escuto os passos de uma idosa arrastando com dificuldade o seu saco de compras e, ainda mais para lá, vigiados pelas mães com os seus cabelos loiros como palha, as crianças brincam no parque, indiferentes aos balidos das ovelhas que se espalham pelo meio dos prados de um verde viçoso.

No século XIV, Gammelstad, património da UNESCO, não era mais do que uma praça onde imperava o comércio, gozando da sua localização privilegiada, no estuário do rio Lule e na junção de três importantes rotas, uma sulcando o interior, outra costeira, desde Estocolmo, e uma terceira, bordejando o rio, com origem na Rússia, serpenteando pelos lagos finlandeses e passando pela vila mercantil de Tornio. Por esse tempo, o nível das águas do mar era mais alto, uns seis ou sete metros, e o actual distrito de Luleå formava um arquipélago, com ilhas já habitadas e assentamentos ao longo das margens do Lule.

Ao fim de uma rua, avisto o que me parece ser um fato-macaco, de um azul forte, umas pernas e um corpo mas não a cabeça. Recordo-me de ter lido, na Casa da Cultura, em Luleå, histórias de fantasmas e de almas perdidas em Gammelstad. Mais cedo ou mais tarde, alguma alma o irá ajudar a encontrar o caminho de volta — aquelas palavras da condutora martelavam-me o cérebro com mais intensidade do que nunca. Aproximo-me e recebo um sorriso em sinal de boas-vindas e um convite para entrar no que, à primeira vista, se semelha a uma casa de bonecas ou típica de um conto de fadas. Pendurado no tecto, um pássaro de madeira, feito pelo avô de Kristina Eklund, até à minha aparição entretida a pintar o exterior da cottage.

- Esta casa, à nossa direita, era uma antiga escola que foi transportada até aqui por ele. Aquela casa (do outro lado da rua) era da minha irmã. E esta chave, com a qual se abria a porta principal, é uma réplica da antiga.

Like.

A casa é pequena mas acolhedora.

- Durante a semana, pelo menos no Inverno, não há muita gente. Mas no Verão, especialmente nos fins-de-semana, há vida em Gammelstad. É um lugar especial, que me preenche, onde me sinto reconfortada, vivendo a minha vida sem pressas.

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