Fugas - Viagens

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Luleå (Like), Gammelstad (Like)

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Ao longe, ouvem-se os gritos das crianças e, mais perto, os cânticos na igreja Nederluleå. Entro e, enquanto escuto a música, em pleno momento da celebração, sou convidado a tomar um café.

É já no início do século XV que se começa a erguer uma igreja — a maior do Norte da Suécia — no lugar onde funcionava o mercado, atraindo cada vez mais peregrinos. Mas a conclusão das obras, após várias remodelações, apenas ocorre em 1492, no mesmo ano em que Cristóvão Colombo descobriu a América. - Gammelstad é muito bonita. Temos o mesmo fenómeno em Arjeplog mas nenhuma das casas está em bom estado. Os meus antepassados eram obrigados a assistir a cerimónias religiosas de quando em vez. Agora imagine as distâncias que tinham de percorrer – revelara-me, ainda em Luleå, no dia anterior, a poucos minutos de partir para a sua cidade, Elisabet Angberg.

Desta forma, as casinhas que se distribuem em redor da igreja, em Gammelstad ou em outros locais menos preservados da Suécia, eram utilizadas para pernoitar, especialmente em épocas festivas. No século XVII, o porto tornou-se instável e as autoridades decidiram construir um novo a 10 quilómetros, para leste, mais próximo do mar. Uma outra cidade começava a desenvolver-se, os alicerces da nova Luleå, enquanto a velha Luleå, cada vez mais distante do futuro, se passava a designar Gammelstad. Por ela caminho, estéril de pressa e órfão de destino, atento aos sinais de um tempo que já não é deste tempo. A pé, faço o percurso de volta a Luleå, como uma viagem ao futuro. O céu e rio confundem-se nas suas tonalidades, unindo-se; mais para diante, a caminho do albergue de juventude, a abóbada do mundo exibe cores que vão do rosáceo ao púrpura, do laranja ao dourado, do azul ao branco — são quase duas da manhã, a noite teima em não cair e eu suspeito que alguém terá dado ordens a um pintor para me proporcionar quadro tão belo naquela minha errância solitária.

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A tarde espreguiça-se quando, no dia seguinte, assomo à estação de comboios de Luleå: uma jovem não larga o iPod, um casal mantém-se em silêncio carregando nas teclas do telemóvel com a velocidade de um coelho, uma mulher de meia-idade não retira os olhos do iPad e um homem, com um cabelo ruivo, fotografa a locomotiva tão negra como um corvo. Com a cabeça e sem esboçar um sorriso, cumprimenta-me antes de entrar na carruagem e de se escutar o silvo que anuncia a partida. No interior, ao longo dos corredores, cruzo-me com ele mas nem uma palavra trocamos. Penso nas palavras de Elisabet Angberg, na simpatia e na antipatia, na tendência do ser humano para generalizar, na facilidade com que colocamos rótulos numa cidade da qual pouco ou nada conhecemos e ainda muito menos da forma como cada um vive as suas vidas, tantos deles com milhares de amigos no Facebook e nem um único com quem conversar. E, de repente, a memória é assaltada, vira o homem em Estocolmo, a caminho da Lapónia, e uma vez mais em Umeå antes de o observar no exterior da Casa da Cultura com a sua grande lente.

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