Fugas - Viagens

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Camboja, com os olhos no futuro

Num dos bares há folhetos com fotografias de rapagões musculados e tatuados, em poses de Rambo, a promover peculiar entertainment num país que pagou uma pesada factura pela guerra civil: experiências com fogo real, garantindo o entrepeneur uma ampla variedade de armamento ao dispor dos clientes candidatos a snipers de fantasia, desde metralhadoras ligeiras a granadas e rockets, com preços a variar entre os 50 e os 300 dólares. Talvez seja um exagero, ou efeito da Angkor, mas acabo a noite a lembrar-me do ambiente de folia absurda da Berlim dos anos 1930 encenado por Bergman em O Ovo da Serpente.

Um em Phnom Penh

Uma boa notícia: os principais pontos de interesse de Phnom Penh, sob o ponto de vista do viajante que por ali se detém uns dias, estão circunscritos a uma área facilmente palmilhável. Como a cada passo se tropeça com a omnipresente oferta de serviços de tuk-tuk, não há razão para, mesmo com um ritmo descontraído, se perder o essencial da identidade da capital cambojana.

Pela manhã cedo, bem antes da calina subtropical, começa-se a montar os botequins de comida de rua, a ordenar as mesas baixas e os banquinhos de plástico debaixo dos toldos, e os primeiros aromas saltam das misturas de vegetais e especiarias que rebolam dentro dos woks ao lume. O café ou um batido de fruta vão bem a essa hora matinal, de preferência numa das muitas esplanadas do quarteirão vizinho do Museu Nacional, mas se os picantes temperamentais de um cambodian breakfast se puserem a fazer as suas exigências, uma Angkor gelada pode ser um atalho para o céu.

Antes de a cidade entrar em ritmo de cruzeiro, o que acontece depois das oito, é uma boa ideia passar por um dos mercados mais animados da cidade, o Orussey. Claro que se o objectivo é obter vantagem na negociação, o fim do dia será a melhor altura, tal como em qualquer parte do mundo onde os preços são coisa de discutir. Para degustar a gastronomia khmer, a regra é comum ao Sudeste Asiático: a rua e os mercados são os lugares certos, o viajante faz a prova no Psar Thmei ou, já pela noite dentro, no Psar Reatrey, o mercado nocturno. O Mercado Central, de recorte art-deco, merece uma jornada especial, articulada num périplo pelas realizações mais interessantes da moderna arquitectura khmer, incluindo obras do mais prestigiado arquitecto cambojano, Vann Molyvann. Há visitas temáticas, com duração média de três horas, que visam a divulgação deste património e a sensibilização para a sua conservação (para mais informação e inscrições, consultar ka-tours.org).

Com alguma agilidade consegue-se articular as visitas ao Palácio Real e ao Museu Nacional. São vizinhos de poucas dezenas de metros e nos espaços de ambos estão contidos superlativos símbolos da cultura khmer. No Palácio Real, ou melhor, no Pagode de Prata, que sobreviveu incólume à loucura do regime de Pol Pot, quando se pretendeu fazer tábua rasa de qualquer manifestação cultural precedente, podemos apreciar uma maravilhosa colecção de estatuária, com centenas de budas, de diversas épocas, em ouro, prata, bronze e madeira, sofisticadíssima arte capaz de emocionar o mais empedernido céptico ou cínico descrente. As pinturas murais, algumas delas em curso de restauro, mostram cenas do quotidiano do antigo império khmer. No Museu Nacional a grande evocação é a herança de Angkor, através de um acervo de peças dos tempos dourados do império. Com a companhia de uma estátua do rei Jayavarman VII, são exemplos eloquentes da melhor arte khmer, que chegou a exercer influência de peso em várias paragens do Sudeste Asiático. Em Phnom Penh ocorre também por estes tempos um movimento entusiasta de reactivação e reinterpretação das danças tradicionais cambojanas que vale a pena conhecer, além de um crescente número de galerias de arte.

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