Fugas - Viagens

  • Maria João Gala
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“As coisas vão acabando, não há nada que dure para sempre”

E esta tem fama de ser das mais pobres do país. Mas quem vive em Cinfães não se convence. Há trabalhos, inclusive o emigrante, que não entram nas estatísticas. “E veja que temos três bancos”, dizem-nos. Não falta comida a ninguém, ao contrário de outros tempos, o que falta é solidariedade, repetem-nos em diversas paragens, até no meio da estrada, a chegar a Pimeirô, interrompida pelo rebanho conduzido por José Castro, “pastor efectivo” da cooperativa Senhora da Serra. Em Aveloso não nos falam disso, embora muitos dos hábitos comunitários se tenham perdido — por exemplo, a eira está quase abandonada, os espigueiros graníticos alguns em ruínas, outros remendados com chapa em vez de telhas. Em compensação, um pouco mais abaixo, como se na transição informal entre a velha e a nova aldeia (a eira já foi “engolida” pela construção), o tanque ainda serve a comunidade — não vemos lá ninguém mas está um tapete verde e amarelo a corar e há baldes com roupa.

“Espantaram-se todos”

A hora de almoço no monte é ao meio-dia. Às vezes, dona Dina traz merenda e nem a come (“arrelia-me tanto o gado”), outras vezes tem de comer a caminhar; hoje os animais decidiram abrandar na zona do “marco”, uma rocha erguida no centro de um círculo de pedras cobertas de vegetação. Pode ser uma herança megalítica, a região era povoada nessa época, mas disso nada sabe. Não tem, sequer, a certeza de que esteve sempre neste sítio o marco. “Já me confundo.” Pensa que estava uns metros mais ao lado, na órbita de uma eólica — uma das muitas que preenchem os cumes todos em redor, como uma via crúcis infinita. Sabe que elas produzem electricidade, mas ela até tem duas televisões por ligar em casa, “faltam-lhes uma caixa”. De qualquer forma, os seus dias terminam cedo, às nove da noite está na cama. “Não tenho lenha para bastar.” Aproveita para rezar, também o faz ao levantar-se, claro. “Não sou nenhuma Jeová.” À missa, que acontece uma vez por semana em Aveloso, é que nem sempre vai, depende se tem tempo.

Hoje tem tempo de pousar a mochila numa rocha, sem tirar os olhos dos animais — há uma ravina já aqui a que é preciso estar atenta e ao fundo vê-se Espinho, à beira-mar: “Nunca fui lá para abaixo, andam para lá os lobos” —, e comer com a tranquilidade possível. Não se senta, mas come um bom almoço. “Trouxe o que sobrou do Entrudo, ontem foi peixe, não se podia comer carne.” Há salpicão, nacos de carne e bacalhau, um iogurte grego, gelatina, “buche” de manteiga — e a acompanhar vinho maduro (“não faz tão mal”) com 7Up (“já só consigo beber assim”).

Não é a única, diz. Quando a mercearia “chega” à aldeia, há muita saída de 7Up. Confunde-se com os dias em que chegam o peixe, a carne, as mercearias e o padeiro, mas este, pelo menos, vem muitas vezes. Maria Isaura diz-nos que, por vezes, vêm três no mesmo dia. Por isso, já quase ninguém coze pão — e os novos gostam mais de trigo. “Antigamente, quando se cozia pão era dia de festa. Só cantar, rir e quando saía do forno comíamos quentinho. Era a devoção das aldeias”, conta Maria Isaura. Outros tempos. “Por um lado a vida era mais dura, não havia fartura, mas era alegre. Penso muito nisso.”

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