Maria Isaura gostava de voltar ao tempo da “lavoeira”, quando os campos, cheios de gente, eram trabalhados com os arados e todos falavam de um lado para o outro. Ou ao tempo da “podoeira”, quando se competia pelo corte mais sonoro. Havia muita juventude. “Aqui até é onde há mais jovens... Mas depois destes...” “Estes” já são da geração dos que “seguem os estudos”. Os seus filhos são exemplo disso: um é arquitecto, outro sociólogo e o outro foi para a Suíça, de onde o marido veio com pré-reforma. “Espantaram-se todos.” Maria de Lurdes também espera que se “espantem os seus” — “Se tudo correr bem, a minha filha é a próxima a sair”.
Todos aqui conhecem a história da aldeia da Levada, do outro lado do monte, em Castro Daire. “Tem ribeiro e era terra muito produtiva, fica numa baixinha, muito quentinha”, descreve Maria Isaura. Está abandonada há mais de 15 anos, garantem. Agora é ponto de passagem de vários percursos pedestres e até tem uma placa nova com o mapa das suas cinco ruas. O som da água é omnipresente, é o silêncio de Levadas onde o tempo não parou, simplesmente deixou de existir, abandonou estas paragens.
Mas a Aveloso até chega gente, lisboetas de gema, para ficar. O ti Fernando decidiu vir há sete anos, a mulher é daqui. “E consegues estar lá?”, perguntou-lhe ela. “Se estive em Espanha e em sítios piores”, respondeu. “E não saio daqui. Gosto da camaradagem, da brincadeira.” Tem 62 anos, a mulher 82, a sogra morreu há um ano com 101. “Não trabalho nada”, diz ele, “passeio, falo, ajudo com o milho e a batata, agora no Inverno fico à lareira, à janela.” E nós acercamo-nos da lareira de Maria Isaura, onde estão Maria Elisa e Marfida, para um cafezinho, enquanto na rua uma série de vizinhos encostam-se às paredes, sentam-se em escadas e aproveitam o sol da tarde em amena cavaqueira. “A crise não chegou aqui”, dizem-nos, “o problema é o trabalho para os jovens”. “Estudam e não arranjam colocação.”
“Dê um [cordeiro], avó”
Lá em cima, “merenda comida, companhia desfeita”. A dona Dina já está mais tranquila com os animais marcados para dar à luz, “elas não devem parir, andam com o úbere mole”. Contudo, parece que querem caminhar mais, já sobem a encosta seguinte. “Ai que vão para a Malhada Nova do Boi”, queixa-se. As eólicas têm lá uma casa, conta, têm muito dinheiro a enferrujar. Ela não. “Os euros estragaram tudo. Com 500 escudos comprava um ror de coisas. Então com 10 contos... Mas 50 euros é o que eu pago de luz.” E ainda tem de ir a Cinfães. “Já não há camioneta às dez horas. Só às oito, é muito cedo, temos outras coisas a fazer. Só vou às 13h45, perco a tarde.” Mas com sorte ainda vê uma das filhas, pelo menos, que por lá trabalha no Intermarché: são cinco, mais dois rapazes, sete netos e um companheiro na prisão (e uma história confusa).
Aldina, que um enfarte deixou apenas a fazer “trabalhos leves”, dá biberão aos cabritinhos e cordeiros, amarelos, brancos, negros, três vezes ao dia. À noite, havia dito, não faltam ajudantes: os miúdos chegam da escola e querem todos fazê-lo. É às 18h, mais coisa menos coisa, que a carrinha negra chega. Diana, Rodrigo e Micael vêm da escola do 1.º ciclo de Meridãos — os mais velhos, sete, vêm de Cinfães, chegam mais tarde. Rodrigo e Micael são primos e netos de Aldina. Impacientam-se com a conversa: Micael quer ir ver os animais, Rodrigo quer mostrar-nos o Gigante, o cão da avó que é um dos cães-pastores da aldeia. Andou todo o dia no monte, com mais quatro cães, a guardar o rebanho, que chega agora. Tarde para as contas que a dona Dina havia feito. “Não é que eles quiseram ir até ao São Pedro?”, exclama quando faz a entrada na aldeia. Tinha-nos dito que não ia para esses lados, uns montes mais adiante, onde há uma igreja e parque de piqueniques; no Verão vai sempre, no Inverno os dias são demasiado curtos. Pelos vistos, este não.