Uma cozinha natural a céu aberto
Uma frágil sebe separa os turistas dos montículos de terra fumegante onde o famoso cozido das Furnas vai cozendo lentamente. Do lado de lá da vedação, João Pacheco e os colegas vão retirando cada panela, uma a uma, como se de um acto solene se tratasse. Afastam a terra revolvida, levantam a tampa do buraco com a enxada e depois, cada um com um ferro encaixado na asa, içam a braços o tacho envolto em panos brancos, onde diferentes carnes, legumes e enchidos estiveram a cozer nos vapores vulcânicos durante cerca de seis horas. Passa pouco das 12h e os últimos cozidos vão ser levados para os restaurantes da zona, terminando um dia de trabalho que começou às 4h.
Lugar turístico por excelência na ilha — “costumávamos dizer que para saber quantos turistas visitavam São Miguel bastava trazer um banquinho e ficar a contá-los”, recorda Rui Amen —, as caldeiras da lagoa das Furnas vivem desde Março uma nova etapa: a entrada, até agora gratuita, passou a ser paga (0,50€ por pessoa), assim como a confecção particular do cozido (3€) e o estacionamento (quando lá estivemos a tabela estava a ser revista, sendo que a taxa sobe a cada 15 minutos e é validada à saída). “Concordo com os 0,50€ porque é uma ajuda e isto fica mais arranjado e organizado”, defende João Pacheco, que ali trabalha há 15 anos, confessando, no entanto, que o estacionamento devia continuar gratuito e que não é justo a utilização particular das caldeiras ser gratuita para os residentes do concelho da Povoação. “Ou pagavam todos ou não pagava ninguém.”
Luís Pires Coelho, que encontramos a encher um garrafão de água naturalmente gaseificada na nascente do Rêgo, no centro da freguesia das Furnas, não está preocupado com as novas taxas. “Normalmente peço ali em baixo e eles deixam-me pôr lá o cozido, senão uso uma [caldeira] que temos aqui escondida”, conta. À beira da estrada, uma colecção de ramos e terra tapa o forno natural, cuja localização só a vizinhança mais próxima conhece. “Ponha a mão ali em cima, vai ver que está quente.” Comprovamos. Um pouco por toda a localidade há evidências secundárias da actividade vulcânica, desde o cheiro a enxofre (menos intenso do que aquilo que antecipávamos) às fumarolas, das águas termais às caldeiras, ora secas ora jacuzzis borbulhantes.
“Há aqui mais de 28 tipos de águas minero-medicinais”, indica Rui Amen, conduzindo-nos por diversas fontes de diferentes temperaturas, sabores e texturas. É numa delas, que a placa de azulejos diz jorrar “água santa”, que Luís Pires Coelho faz chá e café. “Depois do jantar trago a chávena e fico aqui sentado”, conta o bancário reformado. Chegam a juntar-se “20 ou 30 pessoas”. Nos meses de Verão é, no entanto, a Caldeira do Esguicho, a passos de distância, que tem maior movimento. Ali são cozidas as maçarocas de milho que são depois vendidas nas várias bancas da zona. Hoje, no entanto, são ovos que se cozinham na água fervente, um balde e um cabo a improvisar. “Um senhor disse-nos que conseguíamos cozer os ovos aqui, bastava quinze minutos”, conta Simão, de 15 anos, que veio com quatro amigos de Pico da Pedra passar uma noite no parque de campismo das Furnas.