Uma autêntica cozinha natural a céu aberto, portanto. Se tivéssemos tempo, quem sabe, talvez ali voltássemos para fazer o chá que descobrimos na Fábrica Gorreana, fundada em 1883. É a mais antiga e uma das duas únicas fábricas, juntamente com a Porto Formoso, localizada a poucos quilómetros de distância, que produz chá na Europa, desde a folha ao saco. As visitas às instalações começaram no princípio do século XX, com o bisavô de Madalena Mota, quando Jaime Hintze ali instalou a hídrica que ainda hoje produz a electridade contínua que faz as máquinas funcionarem. Foi o primeiro sítio a ter luz na ilha e “as pessoas chegavam aqui para tomar chá e ver o que era a luz eléctrica, devia ser tipo a NASA”, brinca Madalena, filha da actual proprietária, Margarida Hinzte. “Hoje em dia já não entram para ver uma fábrica da Revolução Industrial, mas uma fábrica antiga”, já que a maquinaria é a mesma, uma delas ainda com uma pequena suástica gravada.
A visita, que percorre todas as fases de produção, desde os campos frondosos de camélias (matéria-prima do chá) à sala de provas, mantém-se praticamente inalterada. E gratuita. Nem a possível chegada de mais turistas — “uma fonte de rendimento muito grande” — faz a família mudar de ideias. “Isso era matar a memória do meu avô”, defende Madalena. “Isto sempre foi uma fábrica da freguesia [Maia], é nossa mas não é nossa, é de São Miguel. Seria uma traição fazer-lhes pagar uma chávena de chá.” No Verão, chegam a receber sete camionetas de turistas ao mesmo tempo. “Em Agosto são 400€ só para papel higiénico”, ri-se. “Oxalá” venham mais. “Estou preparada.”
O tempo foge-nos entre tanto calcorrear e já não chegamos a tempo de mergulhar na Caldeira Velha, mas ainda conseguimos subir à lagoa do Fogo e constatar aquilo que tanto nos tinham avisado: nos Açores, nuvens e nevoeiro correm numa dança permanente, ora velando ora descobrindo cada paisagem. Quando chegámos, uma cortina cerrada recebia-nos no miradouro e nem um palmo de lagoa se vislumbrava entre a neblina, para logo depois se revelar em panorâmica, como se o desejo mandasse na meteorologia. Mais um postal icónico da ilha, mas que nem por isso arrebataria o final do dia, poucos metros subidos até ao Pico da Barrosa, tão apoteótico quanto inesperado. Aos nossos pés, ilha e mar fizeram-se nuvens e o sol foi adormecendo sobre elas, tingindo o céu silencioso de dourados e laranjas.
Pouco depois, já em Ponta Delgada, passaríamos por baixo do arco central das Portas da Vila que, conta a lenda, nos faria ficar irremediavelmente apaixonados pela ilha. Mas São Miguel há muito que se entranhou e a vontade, mais do que em partir, está já no regresso.
Guia prático
Como ir
A Fugas viajou com a easyJet, que voa três dias por semana entre Lisboa e Ponta Delgada (terça, quinta e domingo), com mais uma frequência semanal ao sábado a partir de Junho. As tarifas anunciadas oficialmente iniciam-se em 30,49€ (voo de ida).
Onde comer
Além do tradicional cozido das Furnas e do ananás dos Açores, não deixe de provar o bolo lêvedo (pão achatado e doce) ou as queijadas da Vila. Quanto a restaurantes, o S. Pedro (Largo Almirante Dunn, 23-A; tel.: 296 28 16 00; www.restaurantesaopedro.com) é um dos mais populares de Ponta Delgada no Verão, com uma extensa carta de mariscos, peixe e bifes regionais. No Anfiteatro (Portas do Mar – Ponta Delgada; tel.: 296 206 150; www.efth.com.pt), os estudantes da Escola de Formação Turística e Hoteleira unem cozinha moderna de fusão aos sabores mais tradicionais dos Açores, enquanto o Alcides (Rua Hintze Ribeiro, 67; tel.: 296 629 884; www.alcides.pt) é especialmente afamado pelos seus bifes de vaca.