Fugas - Viagens

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Havai, o paraíso turístico das brochuras

— Mais um Mai Tai, por favor — o cocktail de rum, licor Curaçao e sumo de limão é um bom exemplo deste estilo polinésio pelo qual não foram só os japoneses que se apaixonaram. Martin Denny conquistou para si um lugar na música popular do século XX por ter sido classificado como o “pai da música exótica”. O pianista americano, outro nova-iorquino, celebrizado na década de 1950 devido à sua lounge music percursora, viveu aqui muitos anos e foi aqui que morreu de provecta idade, aos 93, como se fosse um japonês de Okinawa.

Não custa a acreditar que a dose certa de sol (13 horas diárias de luz durante o Verão) e de praia, calor, uma paleta com vários arco-íris ao dia, uma gentileza da deusa Ânuenue, e de Mai Tais  tenha contribuído para a sua longevidade. E que o Havai tenha contribuído tanto para o exotismo da sua música que pintava de fresco e de felicidade o pós-guerra dos norte-americanos, cicatrizando os traumas do conflito. Se Martin Denny e os seus instrumentais eram uma banda sonora dessa era, havia, porém, uma voz que se impunha. Imaginem a voz do rei, esse mesmo, a cantar, acompanhado por uma hawaiian stell guitar:

Girls, goin’ swimming, girl, in bikinis
A walkin’ and wigglin’ by, yay, yay, yay
Girls, on the beaches, girls, oh, what a peaches
So pretty, Lord I could cry, I’m just a red blooded boy
And I can´t stop thinkin’ about

É fácil imaginar Elvis Presley, de camisa branca, e com um lei de flores amarelas ao pescoço, sorriso havaiano, a cantar Girls, Girls, Girls. Entre 1957 (dois anos antes de o Havai se tornar o 50.º Estado norte-americano) e 1977, Presley fez do Havai um dos seus destinos preferidos de férias, contribuiu para mitificar o estilo polinésio e rodou três filmes icónicos do pós-Pearl Harbour: Blue Hawaii, em 1961, Girls, Girls, Girls, em 1962, ao qual pertence a estrofe anterior, e Paradise Hawaiian Style, em 1966. E podem encontrar em músicas como A boy like me, a girl like you ou Earth Boy, do álbum Girls, Girls, Girls, os perlimpimpins de Martin Denny nos coros e no exotismo instrumental. E em Blue Hawaii uma outra estrofe:

Dreams come true
In blue Hawaii
And mine could all come true
This magic night of nights with you

Pode dizer-se que o turismo é uma ameaça capaz de uniformizar, demolir ou até mesmo exterminar qualquer autenticidade. Às vezes, sim. Outras vezes não. Neste caso, o que aqui resta dessa autenticidade, em O’Ahu, é uma reminiscência, uma construção artificial para consumo, com pouco de vívido. Waikiki, a mais conhecida e procurada das praias da ilha, a poucos quilómetros de Honolulu, é um esplendoroso centro de diversões e de comércio onde ninguém se aborrece se se entregar aos prazeres mais simples e perfeitos e tiver, obviamente, posses para tal. É, geralmente, a isso que chamamos paraíso, não é? A uma modorra quente, bronzeada e endinheirada.

Certamente que estas ilhas são paradisíacas para quem nelas passa férias, faz compras e se diverte, independentemente do continente de origem. Mas, atenção, as ilhas não são todas iguais e o princípio também se aplica a este arquipélago. Desde o início dos tempos que gostamos de criar uma imagem de paraíso, de sonho ou de romantismo, que oscila consoante as culturas, as religiões, as épocas. E o Havai é um cliché de tudo isso.

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