De manhã, um belo pequeno-almoço é servido pela filha, a Inês, grávida “por dias”, como diz. E o seu marido, André, que logo me adopta, apressa-se a dar-me conselhos sobre a serra. Mais até, que com o troço Silves-Monchique a começar logo ali (à volta do cemitério…), André passa a acção directa: leva-me de carro até à parte “onde vale a pena começar”. E lá vou eu de boleia, saltando dois ou três quilómetros urbanos. André ainda será mais providencial: “Tens água, não?”. Ooopps… Então não é que ainda não comecei e já perdi a garrafa de água? Não há problema, André tem um porta-bagagens cheio delas e fico logo artilhado. Entre conselhos e preocupações, parto por fim, solitário, iniciando a subida. Para trás, deixo André a acenar-me “boa viagem”. Agora, a serra real, a ver que encontros teremos por estas terras cada vez mais solitárias. Percorro-lhe as entranhas, rumo ao meu paraíso, para já em ascensão.
Aos meus olhos abrem-se os caminhos enquanto o calor começa a apertar, com a Primavera a dar um colorido único à serra e enchendo os ares de cheiros inebriantes. Ao ritmo dos sinais algarvianos vou prosseguindo, ainda por partes algo despidas. Num dos montes, um posto de vigia serve-me de abrigo para primeiro piquenique com vistas largas. Será poucos quilómetros à frente, logo agora que isto corria bem, que me perco da sinalética da via. Eu até não me importo de perder-me, mas tinha logo que ser no primeiro dia? Algo me falhou e aproveito para deambular, espiar a estrada, visitar um vale fértil entre os montes, sentar-me num café chamado Terinho que tem um bom slogan: “Pára e fica”.
Aproveito para renovar o farnel e tento retomar a via, que por aqui ninguém sabe onde está. Às vezes é preciso voltar atrás para seguir em frente e é o que faço: refaço o caminho até encontrar o momento da perda. Volto a seguir as risquinhas e começo a descer, com passagem por um lago reservatório e uma mudança brusca de paisagem: abre-se um prado quase onírico, que explode em amarelos e roxos florais, com o odor a rosmaninho e esteva. E vem-me aquela vontade Tom Sawyer de rebolar pela erva. Ele há paraísos muito próximos das alegrias da infância… Vou pisando pelo caminho um tapete de pétalas de flor de esteva, vendo as ruínas de velhos montes e sigo o meu destino, por paragens demoradas e o silêncio enaltecido pela orquestra da passarada.
Entre os altos e baixos da serra, delírios existencialistas e queixas das pernas, a noite vai caindo. Já imaginava que à minha velocidade de caracol não iria terminar hoje o passeio mas não esperava que a noite me apanhasse tão cedo. Não há vivalma por horas. Lá passo por algumas casas e os seus guardiões, a estas horas infernais, os grandes cães, e sigo uma luz ao fundo, até à ribeira e à estrada. No meio da já escuridão, à frente de uma casinha, encontro o senhor Eduardo e a esposa em redor de um fogareiro. Já sem ideias de continuar a via, aceito o conselho de que o melhor é andar para os lados de Alferce, a uns cinco ou seis quilómetros. Para me fortalecer, os meus anfitriões oferecem-me o bolo de Maio, maravilha de milho e erva-doce tradicional de Monchique, e acrescentam um medronho “para dar forças”. Depois disto, venham falar-me de um Algarve antipático e eu dou-vos a resposta merecida.