Já a saída daqui é particularmente bonita e há que descobrir um portão elevatório para seguir o trajecto e entrar para campos onde pastam vacas. Vou assobiando pelos bosques de vegetação densa, por vales verdejantes, campos agrícolas em terraços. Hei-de ainda escapar-me por trilhos da Fóia em redor e descubro mais casas abandonadas, ruínas que a natureza vai retomando para si, cobrindo-as de plantas, erguendo-lhes árvores no interior, fechando caminhos. A água corre abundante e de súbito surgem cascatas. No caudal de uma refresco-me como se fossem as minhas termas privadas.
Pode ser de mim, mas chegam-me vislumbres de Açores ou mesmo do Douro. A nossa imaginação é um potentado e só precisa de um cenário. Há, de facto, algo de espiritual nestas andanças e não será em vão que todas as grandes religiões falam de cumprir o caminho… Aqui, acelero para Marmelete, por entre um caminho agreste com demasiado cascalho, passagem pelos “moinhos” do parque eólico (ah, Dom Quixote!), campos onde um cavalo branco de fábula se passeia. À aproximação da vila, os sinos repicam. Deve ser um sinal. E é. Porque assim que descanso a solidão da serra numa cadeira de plástico de um café, a perna grita “se calhar, distensão”. Intervalo para o descanso e rigoroso… Volto depois ao exacto ponto em que parei, nem um passo antes, nem um passo depois. Com mais ou menos dores, mais depressa ou devagar, o caminho faz-se caminhando.
É de Marmelete que saio da Algarviana (que segue para outros Algarves) e invento o meu caminho rumo ao Alentejo, ou quase, que uma pessoa não inventa nada: em frente até Odeceixe, uns 20kms por estrada velha. Vou perguntando indicações e seguindo o rumo dos dedos apontados para noroeste. Acelero para recuperar tempo perdido, desacelero no cansaço. Logo ali, a estrada desce abruptamente até Passil. É irresistível o seu serpentear vertical até ao vale. Mas, claro, aqui, tudo o que desce, acaba por subir.... Vou pela estradinha, acompanhado do som dos cães, dos trabalhos dos agricultores e, como sempre e muito raramente, de um carro.
É então que, entre altos e baixos e mais uma curva, aterro noutro mundo que também tem mudado e dado vida à serra. O Cabeço, café de estrada que é também associação cultural. E é França, é Alemanha, é serra e é até Índia. Bebo um chá indiano rigoroso, um tchai, e oiço as línguas várias de gentes que escolheram viver nestas terras. É graças a muitos estrangeiros, projectos, turismos, aos seus filhos que aqui andam nas escolas, que muita coisa funciona. Fico-me a conversar com Prisca, francesa de 31 anos e olho vivo. A aventura desta nómada põe a minha a um canto. “Vim à boleia desde Madrid, com o meu cão, o Coffee”, conta. Agora quer passear pela zona, “linda, linda”, e até há-de voltar para ir até ao Douro.
Com o mar já na imaginação, que não ainda no horizonte, acelero por entre a vegetação em mudança e o ar mais salgado. Passo rebanhos de cabras e ribeiros, saio da estrada e contorno Odeceixe até à praia, pela margem da ribeira do Seixe. E então, por fim, o mar nos olhos. A água da imensa praia de Odeceixe, encontro de mar e ribeira, está frescota. Mas dou um mergulho rápido para limpar as agruras da serra.