De olhos lavados pelas vistas, rumo a Monchique. É então que umas pedritas me transtornam a viagem solitária: um pé resvala, um joelho dá uma batidinha, um tornozelo queixa-se. Quer-me parecer que a viagem vai ficar ainda mais lenta. Felizmente, o passeio prossegue por bosque de sobreiros, o que sempre refresca. Chego a Monchique como quem chega com as últimas forças ao santuário da sua peregrinação.
O cansaço e a fome dirigem-me os passos para um restaurante que escolho pelo nome, Palmeirinha dos Chorões. Com um grande terraço e boas vistas, devoro um rápido bitoque como se não houvesse amanhã. Conversa puxa conversa, só saio de lá com um medronho de oferta. Com dores por todo o lado, tomo uma decisão radical: é tempo de uma falcatrua. Apanho o táxi de José Francisco e dou-me ao luxo das Caldas de Monchique, éden termal que durante décadas foi o paraíso de muita gente. A ver se revitalizo, que já os romanos eram fãs das suas águas terapêuticas. “Farto-me de apanhar caminhantes que ficam aí pelo caminho”, diz-me o senhor Zé. Há taxistas que nos ajudam a sentir milagrosamente menos frustrados, garanto-vos.
Desperto num mundo onde se fala muito francês, algum alemão, muito inglês. É um pequeno éden ajardinado de águas correntes onde não param de chegar turistas. Abuso do pequeno-almoço e escapo-me logo para Monchique. Rapidamente estou na vila e rumo a um velho convento manuelino do século XVII que se ergue em ruínas lá em cima, a poucos minutos: é a primeira paragem do meu segundo trajecto algarviano: Monchique-Marmelete, “apenas” uns 15km.
Vou subindo pelas ruelas e nas ruínas sou surpreendido pelos seus habitantes. “Ai disseram-lhe que era abandonado? Eu vivo cá há uns 40 anos”, diz-me Vidaul, mostrando-me a sua casa entre paredes caídas, capelas descarnadas, pedaços de azulejos religiosos, capoeira em claustro. “Queriam fazer uma pousada mas nunca mais”. Vidaul conta a história do edifício como um guia profissional e, por enquanto, é ele o “senhor” deste Convento do Desterro. Sigo pelo trilho, aqui e ali mais árido, pelo eucaliptal, e, por fim, atinjo a Fóia, 900m acima do mar, o pico mais alto do Algarve.
Chegaria lá mais depressa se não tivesse encontrado pelo caminho o pastor Virgílio e o seu admirável rebanho de cabras. “São umas 30 mas já tive mais de 200.” É um pastor cansado da serra, do alto dos seus 64 anos dedicados ao pastoreio. “Isto está muito acabado”, desabafa, enquanto vai apontando para as casas à nossa volta que foram ficando vazias. “Ali, ali, ali, ali, ali, ali, ali…”, e isto continua por minutos ao ritmo do seu dedo a apontar. Uns metros à frente, por fim, a Fóia. E, claro, cheia de turistas em processo fotográfico. Como eu, afinal. Mas as vistas, na verdade, são menos empolgantes que as da Picota e os sistemas de alta-tensão e militares, as antenas, retiram-lhe graça. Para ajudar, a minha banda sonora é assegurada por um grupo de jovens numa carrinha pão-de-forma e sobre cama de cervejas: hard-rock, para acabar de vez com a paz.