Devastada por incêndios há 15 anos, as espécies arbustivas já se instalaram na serra da Gardunha, por esta altura pintada com as cores da giesta amarela, mas um verdadeiro arco-íris sazonal rasgado pela ribeira de Alpreade, onde descansam as ruínas da antiga fábrica de cobertores de papa (à espera de requalificação). O Fundão, como as cerejas, reinventa-se — como a vista do castelo de Castelo Novo (a última das aldeias históricas), como as suas ruas calcetadas, as portas pintadas e as caleiras de água alimentadas pelas nascentes da serra. O Fundão rima com tradição. E azar de quem, por culpa da modernidade, nunca verá o leite a escorrer pela francela e o cincho (instrumentos usados para fazer queijo) a apertar a coalhada. Azar de quem nunca irá colher uma manada de poejo, o chá das mulheres grávidas e dos homens bêbados — das pessoas de barriga cheia, portanto. Azar de quem nunca irá estender o braço para agarrar num punhado de cerejas.
Natura Glamping
2015: A serra da Gardunha no espaço
Em Janeiro de 2015, quando as plataformas se elevaram e esferas brancas aterraram, houve quem tivesse corrido até à serra para saudar os extraterrestres. Estamos na Gardunha, uma serra magnética que recentemente atraiu o Natura Glamping (glamour + camping), sete tendas de luxo que parecem ter saído do 2001: Odisseia no Espaço, do Interstellar, do Oblivion ou de qualquer outro filme de ficção científica com cenários minimalistas de cortar a respiração, estruturas de um branco puro, viseiras translúcidas e um argumento do tamanho de um planeta.
O nosso planeta chama-se Gardunha — e “Portugal desconhece a Gardunha”, garante Jorge Pessoa, argumentista deste projecto, juntamente com a esposa Elga Correia e Nuno Dias —, uma serra há muito um refúgio para histórias de objectos voadores não identificados (basta “googlar”) e que agora foi surpreendida com a aterragem de sete tendas (uma, com cerca de 100 metros quadrados, disponível para eventos) em formato geodésico, instaladas numa área de 500 metros quadrados junto à Casa do Guarda (com dois quartos, uma sala e uma cozinha), em Alcongosta, espaço integrado na Rede Natura 2000 e agora como uma concessão turística de 20 anos.
“Dizem que a serra é oca, que é uma base de ovnis”, sorri Jorge Pessoa. “Acho que fui induzido a trazer para cá este projecto em forma de nave espacial.” Jorge trabalhava em informação médica com “muita pressão, muito desgaste”. “Coisas que ao longo do tempo vamos sentindo na saúde e na qualidade de vida”, regista. “Pensamos que estamos numa situação de conforto. Mas é aparente. Lamentamos mais tarde. Achei que era altura de terminar com o stress do dia-a-dia.” Optou por algo “diferenciador”. Viajou até à Suíça, onde o conceito de “campismo com glamour” já existia, e, depois de tirar as medidas ao projecto Whitepod, regressou a Portugal com uma estrutura geodésica de elevada resistência ao vento e ao peso da neve. “É um complexo cálculo matemático que se molda às nossas necessidades”, explica. As tendas foram instaladas em Janeiro. “Nesse dia nevou. E foi um teste aos ventos cruzados, que nesta região podem atingir os 160 quilómetros hora. Só tínhamos metade dos parafusos colocados e a estrutura nem abanou.”