Apesar de ser um bairro de tradição popular, o facto de ser o berço da cidade confere-lhe um certo status social. Os que ali moram ainda hoje são conhecidos por playos – porque se banhavam na vizinha e comprida praia de San Lorenzo, ao passo que a restante população ia à praia de Pando ou Natahoyo (hoje Playa de Poniente) ou à de L’Arbeyal (mais a Oeste). Estes, não com menos orgulho, são coloquialmente denominados culos moyaos (cus molhados em português, assim mesmo, que por aqui a gíria terá sempre um tom de remoque), vai-nos contando Denis enquanto descemos, os barquinhos aconchegados aos nossos pés.
Era ali que ficava o antigo porto de pesca, reconvertido para a náutica desportiva em 1987, com as restantes embarcações definitivamente transferidas para o porto El Musel, muito maior e mais moderno, a seis quilómetros do centro da cidade (vemo-lo lá ao fundo, na outra ponta da baía, junto ao complexo industrial). Durante séculos o mar foi o principal ponto de partida e de chegada à cidade, então mais acessível de barco do que por terra, a região barricada entre a Cordilheira Cantábrica e o Oceano Atlântico. “Os nossos costumes são mais parecidos com os da Galiza [região fronteiriça a Oeste] e com países como Inglaterra ou Irlanda do que com o resto de Espanha”, dir-nos-á Miguel Villar, do Turismo de Gijón, dando o exemplo da música. A gaita-de-foles, por exemplo, é um dos instrumentos mais característicos das Astúrias, com espaço museológico próprio em Gijón, integrado no interessante Muséu del Pueblu d’Asturies.
Talvez por isso sejam especialmente arreigados – característica, aliás, comum a tantas outras regiões autónomas espanholas -, mas sem nunca perder o sentido de humor. Ali próximo, no limite entre o centro da cidade, o porto e o bairro antigo, na Plaza del Marqués, a estátua de bronze de Pelayos une todos os gijoneses. É considerado o fundador da monarquia asturiana, ao expulsar os muçulmanos da região na batalha de Covadonga, e por isso tido como o primeiro rei de Gijón, figura principal do brasão da cidade. No Antroxu (Entrudo), a população mascara-o de alguma personagem controversa da actualidade (no ano passado, um não tão polémico Darth Vader) e sempre que “os gijoneses querem reforçar a sua origem dizem: “yo nací baxo los coyones de Pelayo””, ri-se Denis. “Isto no voy a traducir.”
Cidade de indústria
Não traduzamos, então – que para bom entendedor meia graça basta – e sigamos caminho pelo centro da cidade, que ali começa. No final do século XIX, Gijón estava a converter-se numa cidade industrial, apoiando-se na exportação do carvão que chegava de comboio das minas do interior das Astúrias. A primeira linha ferroviária, construída em 1856 para unir Gijón e Langreo (uma das minas principais), foi a terceira em Espanha e a primeira de carácter industrial – o Museo del Ferrocarril de Asturias, na antiga estação principal da cidade, conta toda a história ferroviária da região e vale bem a visita
Com o grande desenvolvimento económico veio uma nova burguesia, “que queria demarcar-se de Cimavilla, criando novas ruas, praças e edifícios com uma arquitectura que mostrasse o seu estatuto”, vai explicando Denis, enquanto percorremos a Calle Corrida, hoje pedonal e repleta de lojas e cafés. Foi uma das vias traçadas no novo plano urbanístico e aquela onde actualmente se concentra o maior número de exemplos da arquitectura de então, inspirada na Art Nouveau. Um pouco por todo o centro da cidade, entre vários largos e jardins públicos, vamos encontrando prédios com características modernistas: esculturas femininas, flores e outros motivos vegetais, linhas ondulantes, fachadas cobertas com pedra, azulejos ou tijoleira, as varandas em ferro forjado ou pequenas marquises de madeira envidraçada. “Sempre com alguma simetria e estilo gracioso.”