No entanto, com o rápido crescimento da cidade e a chegada de muita mão-de-obra, atrás de alguns destes edifícios escondiam-se autênticos bairros de trabalhadores, com condições precárias, onde podiam viver cem pessoas em redor de um pequeno pátio e uma casa-de-banho comunitária. “Chegaram a existir duzentas ciudadelas em Gijón, esta era uma das principais”, conta Denis. Estamos na Ciudadela de Celestino Solar, na Calle Capua, actualmente um espaço etnográfico que retrata a vivência e os tipos de edifícios que existiam nestes bairros obreiros, hoje entregue a gatos vadios que preguiçam ao sol. Foi criada em 1877 e ali viveriam famílias, sem electricidade ou água corrente, até aos anos 1970.
É por esta altura que se dá a crise industrial, afectando sobretudo os sectores da siderurgia (mesmo assim mantendo algum peso actualmente) e dos estaleiros navais, provocando uma reconversão da economia da cidade, que se voltou para os serviços e para o turismo. Um dos resultados mais evidentes foi a reabilitação da zona dos estaleiros com a recuperação da Playa de Poniente, recriada artificialmente em meados dos anos de 1990.
De culín em culín
Afastamo-nos da malha urbana da cidade – apesar de não ser a capital das Astúrias (Oviedo, a 20km), é o concelho mais populoso – e entramos agora na zona rural para visitar um lagar de sidra. A viagem de carro é curta, cerca de 20 minutos a partir do centro da cidade, mas a mudança de cenário é drástica: as estradas entortam-se, o verde domina a paisagem feita de pomares e pastos de plácidas vacas, aqui e ali pequenas vivendas rurais, muitas ainda com os tradicionais hórreos ou paneras, celeiros feitos de madeira, com telha e varandim, empoleirados em colunas de pedra para impedir a entrada de roedores (semelhantes aos espigueiros minhotos mas maiores e de arquitectura mais trabalhada). “Quando ia visitar os meus avós era aqui que dormia”, contar-nos-á Juan Alfonso Fernández García, director do Museo de la Gaita, numa visita guiada pelo Museo del Pueblo de Asturias, onde está inserido.
É aqui que também veremos o interior de um antigo lagar de 1900, os utensílios e prensas então utilizados muito mais rudes e artesanais do que aqueles que encontramos no Llagar Piñera, na freguesia de Deva. “Na minha família fazemos produção caseira há mais de cem anos, pelo menos desde o tempo do meu bisavô, e há 70 anos que engarrafamos”, conta Jose Luis Piñera Trabanco, que gere actualmente a produção familiar com o pai. Por ano saem dali “cerca de 650 mil garrafas”. A visita (que deve ser reservada antecipadamente, geralmente feita à tarde durante a semana e de manhã ao sábado), começa lá fora, na pumarada, as últimas flores a dar lugar aos frutos, que serão apanhados entre Outubro e Novembro. Depois de lavadas e seleccionadas manualmente, as maçãs são esmagadas várias vezes numa prensa, para retirar o mosto que será depois fermentado em tonéis de aço inoxidável ou em barricas de madeira.
É na última sala, onde enormes barris quase tocam no tecto, que provamos as várias sidras aqui produzidas (há Sidra Natural Piñera e Llosa de Serantes, esta com o selo de Denominação de Origem Protegida, feita apenas com espécies autóctones e segundo o método de produção artesanal), depois de Jose Luis, num passo de precisão mágico, escançar a bebida: o líquido sai da torneira num jacto certeiro até ao copo, a dois braços de distância. A técnica del escanciado é um autêntico ritual, que se repetirá sempre que se bebe sidra.