Estamos no alto do Cerro de Santa Catalina, onde a cidade de Gijón terá começado, só o mar lá em baixo e o vento cá em cima por companhia, uma harmonia de silêncios que só a natureza consegue orquestrar. De costas para o azul, os edifícios vão-se aglomerando aos nossos pés, contornando a geografia num semblante antropomórfico. O cerro é uma península tão arredondada que por momentos imaginamo-lo a cabeça de Gijón, que termina em longos ombros de areia, à esquerda a praia de San Lourenzo, à direita o passeio que acompanha o porto desportivo e a praia de Poniente. As casas, escorrendo o vale, vão dando corpo à alucinação, terminando em pés de montes verdejantes no horizonte.
Estamos no alto do Cerro de Santa Catalina porque daqui o olhar alcança toda a cidade, compreendemos as raízes e as cicatrizes de um povo entrincheirado entre a serra e o mar, vemos o urbano, o industrial e o rural, cedo descobrimos que aqui se vive muito pelas ruas, entre golos de sidra e gastronomia farta.
Estamos no alto do Cerro de Santa Catalina e ao nosso lado temos a monumental escultura de Eduardo Chillida, “Elogio del Horizonte”, um polémico abraço ao mar no centro do qual se ouve o eco das ondas. A nossa estreia no humor remocado da língua asturiana: “Trés coses hai en Xixón que nun les hai nin en Berlín: La Lloca del Rinconín, El Cagaderu de King Kong y El Pirulón de Camín” (algo como, três coisas há em Gijón que não as há nem em Berlim: a louca do Rinconín, a retrete de King Kong e o pilão de Camín).
De romanos e sidrerías
Começamos um passeio por Cimavilla na Plaza Campu Valdés ou, mais precisamente, debaixo dela, onde foram encontrados vestígios das antigas termas romanas, construídas entre os séculos I e IV. Os romanos terão sido o primeiro povo a estabelecer-se na colina de Santa Catalina, erguendo a cidade que se desenvolveria até ao que é hoje Gijón. O museu arqueológico guarda memórias desse tempo, com o que ficou de um complexo balnear onde se distinguem, sob luzes ténues e tecto baixo, o vestiário, as salas de banhos frios e quentes, o forno onde a água era aquecida, entre outros vestígios encontrados durante as escavações. “Pensa-se que poderão existir mais debaixo da Igreja de São Pedro [ao lado], mas não é possível investigar sem se correr o risco de ruir”, conta-nos o guia Denis Soria. “Foi destruída durante a Guerra Civil e reconstruída na década de 1950”, acrescenta, enquanto seguimos caminho, curto, até nova praça e nova paragem.
O pequeno largo de piso empedrado recebe o nome do filho mais ilustre da cidade, Gaspar Melchor de Jovellanos, antigo escritor, jurista e político, figura central do desenvolvimento económico, cultural e urbanístico de Gijón nos séculos XVIII e XIX. Passear pela cidade é ver “Jovellanos” repetido a cada esquina: dá nome a praças, travessas e ruas, ao antigo Instituto de Náutica y Mineralogía (que criou, hoje uma fundação municipal ligada à educação e à cultura), designa a biblioteca e o teatro, hotéis, associações. “Vai sair daqui a ter pesadelos com Jovellanos”, brinca Denis. Afinal, não é por acaso que se diz que “Gijón le debe el mar a Dios y el resto a Jovellanos”.