No casario, junto, tão junto que parece cosido por um artesão minucioso, destaca-se a cúpula dourada do minarete, ortogonal e branco, elegante nos seus dois andares rasgados por janelas em arcos e rodeados de varandins. Umas horas depois iremos ser surpreendidos pelo adhan, a chamada à oração, quando atravessamos a estranha ponte, em arco ogival que sobe perigosamente e une os dois lados do canal – o barulho do motor do barco que passa faz-nos perceber rapidamente o porquê desta forma excêntrica: têm a ponte alta, apesar do tamanho reduzido das embarcações que utilizam este e outros canais para chegar ao mar e regressar com o resultado da faina.
Ban Nam Chiao podia ser mais uma das aldeias que se espalham por toda a província de Trat – e estamos no sudeste da Tailândia, a uma hora de avião da capital, quatro de carro, o que a torna um destino popular de fim-de-semana –, mas aqui budistas e muçulmanos convivem em harmonia há séculos, partilhando saberes e em comunhão com a natureza.
Há alguns anos, decidiram abrir-se ao mundo e tornaram-se um exemplo (premiado) do chamado community based tourism (CBT): turismo comunitário, de e para a comunidade, baseado no princípio da sustentabilidade – ambiental, social e cultural. Nós viemos a Trat no rasto deste CBT, o turismo “verde” da Tailândia que é uma porta de entrada directa para o âmago deste país – mergulhamos no mundo rural e no seu modo de vida, descobrimos segredos antigos da natureza de que estas populações continuam guardiães, aprendemos a cozinhar pratos locais e vamos à pesca com os pés, passeamos de barco por rios lamacentos que rasgam a selva e fazemos sabonetes de mangostão – partimos de chapéu de folhas de palmeira na cabeça com passagem por uma ilha onde viramos as costas ao mar e enveredamos pela meditação (ou pelas massagens, vá lá).
Tangme krop e ngop
Não sabemos bem quando entramos em Ban Nam Chiao, sabemos que a nossa primeira paragem é num dos quatro bairros da comunidade, o do canal. Para chegarmos até ele, até à água, é um emaranhado de ruelas, que não têm mais do que a largura de um passeio, que percorremos. A sala principal da mesquita está aberta (e deserta), as outras casas fechadas. Não se passa o mesmo quando chegamos ao canal: ele corre em baixo, nós seguimos ao nível do casario, mais acima, alinhado num passadiço de cimento – estreito, mas o suficiente para que passem várias motorizadas. Há minimercados, bancas de comida (e cozinhas) – são omnipresentes na Tailândia e nem estas comunidades mais pequenas (esta tem pouco mais de dois mil habitantes) passam sem elas – e casas escancaradas (espreitamos as salas, onde a televisão ligada é constante). Por todo o lado nos saúdam com o wai, o cumprimento tradicional tailandês com as palmas das mãos juntas como em oração, sempre acompanhado de um sorriso e da saudação saw wad dee ka ou krup, se é mulher ou homem, olá.
Estamos longe do caos de Banguecoque onde temos uma lição rápida de tailandês. Como escrever o que ouvimos? “Owwww”, por exemplo, é o equivalente a “adoro”, “di” é bom, “diiiiiiii” é muito bom; a regra é simples: quanto mais alongamos a palavra maior é a apreciação. A introdução a frases básicas há-de ficar na página que nos passam – memorizamos ainda kob coon ka, obrigada, a palavra que mais repetiremos em tailandês. Além do sorriso: este é universal, mas na Tailândia é quase uma forma de estar; longe de o vermos em toda a gente, a verdade é que o praticamos muito e quando a conversa não vai longe (e a verdade é que nunca vai longe pela barreira linguística que onomatopeias e gestos não conseguem superar) o conselho é dos próprios tailandeses – fazer um sorriso resolve tudo.