O que é curioso é que toda esta história está registada no chamado Landnámabók, ou Livro dos Colonatos, uma obra medieval, dividida em cinco partes e com um total de 100 capítulos, que descreve em detalhe o povoamento da Islândia desde a chegada dos primeiros 435 homens.
O registo da história islandesa continuou mais tarde na chamada Idade das Sagas, com uma série de sagas escritas nos séculos XIII e XIV descrevendo os acontecimentos dos séculos anteriores numa mistura de heróis, heroínas, fantasmas e trolls. Uma herança literária poderosa que talvez explique o elevado número de escritores per capita que existe actualmente na ilha.
O parlamento do século IX
Depois de visitarmos a lagoa Azul, viajamos até Thingvellir, o parque natural que hoje existe onde esse parlamento original (o Althing) começou a funcionar no ano 930, e que foi classificado como Património da Humanidade pela UNESCO. O local – que hoje se tornou outra das grandes atracções turísticas da Islândia – foi escolhido por se encontrar na intersecção de diferentes vias, o que facilitava a viagem dos representantes dos vários grupos, que ficavam alojados em abrigos provisórios durante o período da reunião.
Todos tinham direito a falar, mas havia apenas um indivíduo, de entre os vários chefes seculares e religiosos, encarregado de enunciar as leis antes de estas passarem a escrito. Era também nesta assembleia que se resolviam as questões da justiça. E, apesar de o país ter passado, mais tarde, para o domínio da Dinamarca, Thingvellir manteve-se sempre como um símbolo da unidade e independência para os islandeses.
Como estamos no Verão, o parque está verde e, a partir de um miradouro alto, a nossa vista abarca um horizonte que parece infinito. Aos nossos pés estende-se uma impressionante falha geológica – como se o mundo se tivesse aberto ali e se preparasse para nos engolir, mas subitamente tivesse desistido e ficasse congelado nesse emaranhado de pedras a apontar o céu.
Estamos perante uma das manifestações da Dorsal MesoAtlântica, a cordilheira submarina que se estende sob os oceanos Atlântico e Árctico e que emerge em determinados locais, formando ilhas. Esta cordilheira, que tem um dos seus pontos mais elevados na ilha do Pico, nos Açores, ter-se-á formado no eixo de separação de duas placas tectónicas, a norte-americana e a euroasiática. E a terra que vemos está em movimento (há, aliás, frequentemente terramotos na zona) – lento, é certo, mas em movimento: calcula-se que o afastamento seja de cerca de cinco milímetros por ano.
Outro dos pontos altos da visita a Thingvellir é o lago de Thingvallavatn, o maior lago natural do país. Na margem norte existe a falha de Silfra, onde se pode mergulhar e fazer snorkeling e cujas águas, dizem (não chegámos a mergulhar por falta de tempo), permitem uma visibilidade excepcional que chega aos 70 ou 80 metros. Mergulhar aqui significa nadar na falha entre dois continentes – o que por si só é emoção suficiente.
Muita coisa mudou na Islândia desde esses “velhos tempos” descritos no livro de Alda Sigmundsdóttir. Mas o carácter dos islandeses vem, em grande parte daí. Eram tempos em que não havia para comer mais do que peixe seco com manteiga (sim, esse hábito começa aí) e em que a sobrevivência dos homens dependia quase exclusivamente das ovelhas.