Fugas - Viagens

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Geórgia: um dia nas vindimas, oito mil anos a beber

Mal se chega a Tbilissi, avista-se, dominando a parte antiga da cidade, a antiga fortaleza persa (século IV) de Nariqala e, seguindo ao longo de um trilho que parte da entrada principal desta, logo se perscruta, imponente, uma estátua de alumínio com 20 metros de altura, o símbolo da capital. Uma mulher, a Kartlis Deda ou a Mãe Geórgia, sobe nos céus, na mão direita, sobre o ventre, uma espada, na esquerda, um pouco acima do ombro, uma tigela de vinho, a metáfora perfeita do carácter deste povo que tanto acolhe o visitante calorosamente como luta apaixonadamente contra os seus inimigos.

- Pareces ausente. Queres que continue ou não?

“Por norma, os agricultores sul-coreanos vendem as melhores uvas e utilizam as mais fracas para a produção de vinho. Em Kakheti não é assim — fico com a ideia de que o fazem porque os cachos estão muito entrelaçados. Por isso, no início, cortar as uvas revelou-se uma tarefa complicada para mim. Mas, aos poucos, olhando disfarçadamente para os meus companheiros, fui apanhando o jeito.”

Hyunjung Go percorre com o indicador os caracteres, bebe o vinho pausadamente, com prazer. Na Geórgia, o líquido imortalizado por Baco, sendo um símbolo de hospitalidade, é também uma manifestação da identidade nacional, intimamente ligado à vida familiar e ao culto religioso. A sul-coreana, de férias no país com uma conterrânea que conheceu em viagem pelo Norte da Turquia, afasta-se de novo e eu entrego-me às memórias de dias anteriores.

Como uma sentinela, recortando-se contra as magnificentes montanhas do Cáucaso, com os seus cumes eternamente nevados, a torre da Catedral de Alaverdi avista-se a grande distância. Na berma da estrada, peregrinos em visita àquele que é considerado o maior centro espiritual de Kakheti gozam da sombra dos ramos de árvores esguias e, para trás, até perder de vista, estendem-se vinhas com as suas folhas pintadas de tonalidades outonais. Acenam-me e convidam-me a fazer-lhes companhia, primeiro destapando o tacho onde coze um borrego partido em pedaços generosos, depois, enquanto esperamos a sua confecção, estendendo-me um copo de vinho branco.

É a minha vez de propor um brinde:

- Nazdarovya.

Em coro, respondem-me e logo voltam a encher os copos, enquanto as crianças me olham como por vezes olhamos uma espécie rara ou em vias de extinção. A menos de duzentos metros, está a catedral, construída no século XI (quando o país iniciou o seu período dourado, cultural e politicamente) para o rei Kvirike de Kakheti — e, com um sentimento de pena por abandonar um grupo tão hospitaleiro e generoso, caminho na direcção dela antes que a tarde definhe.

Com pouco mais de 50 metros de altura, era, nesse tempo distante — e durante quase um milénio — a igreja mais alta da Geórgia mas ao longo dos anos sofreu consideráveis danos provocados por alguns sismos e hipotecou grande parte da sua verdadeira identidade quando, já no século XIX, foi mandada caiar, tapando um conjunto de frescos que apenas foi recuperado em 1966.

A catedral de Alaverdi permanece, ainda assim e a despeito de uma decoração minimalista, tão típica das igrejas da região, como um lugar onde se respira harmonia, com os seus majestosos arcos e, no interior, um interessante jogo de luz proporcionado pelas suas 16 cúpulas com janelas, bem como os ícones de St. George e o dragão (século XVI) e o da Virgem e do Menino (século XI), este último encimando o altar. Espalhados à volta da catedral, encontram-se outros edifícios, como o palácio de Verão do governador Shah Abbas, agora restaurado para servir de residência ao bispo, um balneário, uma torre sineira e a adega Alaverdi Marani, geralmente fechada aos visitantes.

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