Fugas - Viagens

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Geórgia: um dia nas vindimas, oito mil anos a beber

Era o vinho, meu Deus

Veste-se todo de negro, como um corvo, longas barbas castanhas caindo sobre as vestes. O monge Gerasime Otarashvili, que se divide entre os seus deveres religiosos e a supervisão da produção de vinho, convida-me a seguir-lhe os passos por este lugar mágico, um sentimento que se exacerba quando abre um qvevri (enormes recipientes, alguns com três metros de profundidade, feitos de argila vermelha e com capacidade para armazenar mil litros de vinho) e os aromas enchem a atmosfera.

- Produzimos entre 10 a 15 toneladas por ano e as vindimas prolongam-se entre sete a dez dias. O final é marcado por um almoço especial e o início da recolha das uvas reveste-se de grande solenidade, com a leitura de orações.

No século XII, revelam pesquisas arqueológicas, Alaverdi produzia 70 toneladas de vinho e, após um interregno, durante a ocupação comunista, os monges restauraram uma das antigas adegas. Desde 2006 que os vinhos do mosteiro são galardoados um pouco por todo o lado, uns deles elaborados em qvevris, outros seguindo métodos modernos.

Gerasime Otarashvili destapa um qvevri e retira um vinho de uma cor púrpura. Serve-me um copo e ergue o dele. É um Saperavi, o mais caro de todos quantos se produzem no mosteiro, também utilizado nos serviços religiosos. 

- Temos seis tipos de vinho, um por cada casta (100%) das nossas vinhas, e todos eles já se tornaram populares em todo o mundo. O vinho é encomendado com grande antecedência e a procura supera claramente a oferta. A maior parte é vendida na Geórgia mas também exportamos para outros 12 países.

A história diz-nos que a produção de vinho no país é anterior ao nascimento de Cristo e que há já oito mil anos se procedia ao cultivo de vinhas nos montes Shulaveri. Gerasime Otarashvili propõe um novo brinde.

- O vinho, na Geórgia, sempre teve uma componente religiosa e social. Para nós, o vinho é um líquido divino feito com a nossa participação, um elemento necessário e utilizado na maior parte dos serviços sagrados, como a Eucaristia. Além disso, o vinho tem um lugar especial no nosso dia-a-dia. Não há festa ou mesa sem vinho. Desde o nascimento até à morte, é servido em todas as ocasiões especiais.

Do boicote à modernidade

De quando em vez, sozinho na cozinha, lanço um olhar ao diário de Hyunjung Go, desejando descodificar os caracteres.

- Ainda estás aí? Pensei que já estavas a dormir. Estive no Skype com a minha família.

Pego na garrafa e deito um pouco de vinho no copo de Hyunjung Go.

“As mulheres colhiam as uvas e colocavam-nas em cestos. Os mais jovens entre os homens carregavam-nos até à entrada da quinta, depositavam as uvas em contentores de plástico e voltavam a entregá-los às mulheres. Entretanto, outros homens, mais velhos, mas fortes, trabalhavam numa espécie de armazém atrás da casa. As uvas passavam dos contentores para as prensas e eles rodavam a manivela, comprimindo-as, sem grandes cuidados porque – diziam – era vinho apenas para consumo próprio.”

Produzir vinho, em grande ou menor escala, é obrigatório para muitos georgianos — e servi-lo a um convidado é uma questão de orgulho. Quem não tem uvas, compra-as muitas vezes nos mercados para que, na hora de receber, haja vinho caseiro na mesa e se possa fazer do momento uma celebração, não faltando sequer a eleição de um tamadá, o maestro do brinde e o responsável por oficializar um acto que, para os locais, é solene. Na Geórgia brinda-se à paz, à família, às mulheres e aos filhos, aos amigos, aos convidados e aos falecidos, a quem em determinado período da vida plantou vides.

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