Fugas - Viagens

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Geórgia: um dia nas vindimas, oito mil anos a beber

Entre as 2000 castas mais populares no mundo, mais de 500 são georgianas e, dessas, quase 40 são actualmente utilizadas na produção comercial. Para o palato dos ocidentais, o vinho da Geórgia sempre teve um sabor doce mas o boicote à importação, em 2006, por parte da Rússia, serviu de incentivo para a produção de vinhos mais refinados, utilizando tecnologias mais modernas. O mercado russo representava, antes do boicote, cerca de 80% (mais de 50 milhões de garrafas) das exportações de vinho da Geórgia mas a descoberta, nesse ano, de que este país do Cáucaso fabricava vinho adulterado, contendo pesticidas e não respeitando os requisitos sanitários, teve um forte impacto na economia, provocando o encerramento de muitas adegas.

Em Maio de 2006, o ministro da Defesa da Geórgia, Irakli Okruashvili, admitiu a veracidade da tese russa e fez aumentar a tensão entre os dois estados (em guerra em 2008 na sequência dos conflitos na Abecásia e na Ossétia do Sul) ao declarar que “muitos produtores exportaram vinho falsificado, porque a Rússia é um mercado onde até é possível vender merda.”

Gosto de ouvir a voz melodiosa de Hyunjung Go mas o sono atinge-me com a força de um trovão, torna-me mais sonhador, mais distante. Ela continua a ler. “Quinze ou mais pessoas, todas da família, participavam na recolha das uvas. Ao fim da tarde, as vides ajudaram a fazer uma fogueira para grelhar carne de porco. Ao lado, uma mesa comprida, com pão, queijo caseiro, outras carnes, legumes, vinho, um copo e um prato para cada um esperava por nós.”

Hyungjung Go não sabe o nome desta espécie de banquete umbilicalmente ligado à tradição hospitaleira deste povo. Supra, assim se designa, e da mesa onde já não repousa o diário mas apenas a luz fraca do candeeiro sou transportado para outra, numa pequena aldeia, não muito distante de Gori, a cidade que viu nascer Joseph Estaline, um adepto de Khvanchkara (um tinto suave que combina duas castas, Alexandrouli e Mujuretuli)

- Natela! Natela!

Natela Kuzivelichvil surge, finalmente, na moldura da porta, com pão, feito em casa, nas mãos. Diz-me que estão juntos há 45 anos. Os quatro filhos vivem em Tbilissi. Valiko Sadagachvili corta outro pão, mais doce, a mulher afasta-se, volta de novo, agora com queijo artesanal num prato; ele sobe um escadote, retira algumas uvas, pede a Natela para as lavar.

Valiko Sadagachvili tem uma energia infinita, ao fim da tarde liga o motor do pequeno tractor, convida-me a sentar-me ao seu lado e percorre as ruelas de terra batida, a todos anunciando, com visível orgulho, a presença de um jornalista português. De um saco, retira uma garrafa de litro e meio de vinho, que me estende com um sorriso antes de me abraçar. Esta, mais do que qualquer outra, é uma despedida triste. Olho de novo a garrafa e aceno uma última vez. Caminho entregue à minha solidão, tendo apenas como companhia uma frase de Gerasime Otarashvili:

- O vinho alegra o coração do homem e um coração cheio de alegria é sempre um coração afectuoso.

Guia prático

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