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Silêncio, nestas cidades fala-se de música

Outro lugar imperdível em Havana, para melhor se identificar com a variedade de músicas e danças cubanas, é o mítico Tropicana, na calle 72, entre as calles 41 e 45, em Marianao, uma sala de festas com as suas portas abertas desde 1931 e uma verdadeira instituição de Havana que trilha os caminhos dos bailes cubanos e das divindades da santería, um pequeno-grande mundo em que virtuosismo e excesso dão as mãos e convivem em perfeita harmonia.

Como no Malécon, onde o som da música abafa, por esta hora, o marulho das águas.

- Tio, quieres bailar comigo?

É a minha vez de sorrir para a pequena.

BUENOS AIRES
Nacho Narbone é como eu: mesmo sozinho, tem dificuldade em acertar o passo: não há delicadeza, não há elegância nos movimentos, apenas uma ofensa à música e à dança, confidencia-me, quase como se de um segredo se tratasse. 

- A minha avó, Juana Ramonda, sim, dançava o tango como poucas. Agora não, já tem 89 anos.

No metro, com mais de cem anos, um pequeno sino define o rumo e o sentimento – não há muitas cidades no mundo que abracem o viandante com tanta nostalgia.

Mi Buenos Aires querido
Quando yo te vuelva a ver,
No habrá más penas ni olvido

Sob uma luz mortiça, escuto Carlos Gardel, o francês mais argentino de todos, a quem o tango, com o seu ritmo tão cadenciado, quase tudo deve. Há dúvidas sobre o lugar onde nasceu mas o cantor, compositor e actor tinha pelo menos uma certeza.

Volto a escutar:

Mi Buenos Aires, tierra florida
Donde mi vida terminaré

Buenos Aires é uma cidade bicéfala, aberta às contradições do dia-a-dia, silenciosa aqui, ruidosa acolá, ora cheia de magia, ora repleta de pragmatismo, ora amarga, ora doce. Mas é Buenos Aires, um íman que não para de atrair viajantes, muitos deles movidos por essa ânsia de ver dançar o tango porque, mais do que uma cidade com palácios e catedrais, monumental, a capital argentina é uma urbe que se conhece na rua, com os seus cheiros, os seus encantos, a sua dupla face encaixando-se na trilogia que constitui a sua catarse popular: o futebol, o choro, o tango.

Um pouco como Lisboa, com a diferença do fado, também triste, também nostálgico.

É domingo, caminho pela calle Defensa, neste dia da semana conferindo exclusividade aos peões; mais para diante, acabarei por encontrar, mais tarde, a Plaza de Mayo, o coração da vida política e social da Argentina; detenho-me na Defensa, como que hipnotizado com o verdadeiro sentir porteño, escutando o tango cujas palavras quase se desfazem em lágrimas e interpretado pela Fernández Fierro, uma orquestra plantada na rua que atrai todos os olhares dos transeuntes.

Parto para San Telmo, essa reminiscência da Buenos Aires que se começava a erguer no século XVIII, bairro colonial de ruas estreitas, com a sua Plaza Dorrego atraindo tudo e todos, uma manifestação cultural espontânea, um formigueiro humano andando para cá e para lá, parando para admirar uma estátua viva, parando para escutar o tango, recolhendo-se num dos muitos bares de esquina, com as suas paredes desmaiadas, mais os seus cartazes que tanto prestam homenagem aos pugilistas célebres como a Carlos Gardel.

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