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Silêncio, nestas cidades fala-se de música

Por Sousa Ribeiro

Dakar, Havana, Buenos Aires, Bogotá, Nova Orleães e Viena – a música como denominador comum. Uma viagem pelos seus ritmos, pela sua história musical, do tango ao jazz, da música clássica à batida forte da capital senegalesa, do son de Cuba à cumbia colombiana.

«A música pode mudar o mundo porque pode mudar as pessoas» – Bono Vox

Na próxima quinta-feira, 1 de Outubro, comemora-se o Dia Mundial da Música, um pretexto para uma viagem por seis cidades onde se vibra com a música. De Dakar a Buenos Aires, de Bogotá a Nova Orleães, de Havana a Viena. São estas como podiam ser outras, urbes que, com os seus ritmos, os seus estilos, não deixam ninguém indiferente. Nelas fala-se de música, escuta-se música a toda a hora, respira-se música.

DAKAR

Boul ma sene, boul ma guiss, madi re nga
fokni mane
Khamouma li neka thi sama souf ak thi
guinaw
Beugouma kouma khol oaldine yaw li neka si
yaw
Mo ne si man, li ne si man moye dilene diapale

Logo depois, com a mesma força, a voz de Neneh Cherry impõe-se, enquanto Youssou N’Dour cerra os grossos lábios, a cortina de uns dentes imaculadamente brancos.

And when a child is born into this world
It has no concept
Of the tone the skin is living in

E, a seguir, uma explosão, duas vozes unidas pela mesma causa.

It’s not a second
7 seconds away
Just as long as I stay
I’ll be waiting

Youssou N’Dour é a figura incontornável da música senegalesa e das maiores referências do panorama musical africano. Vi-o actuar, ao vivo, no Coliseu dos Recreios, uma noite, já lá vão tantos anos que nem os consigo contar. Ninguém resistia, mexendo as pernas, os braços ou a cabeça – ou todos em simultâneo –, ao ritmo frenético e contagiante imposto por uma presença que transpirava energia e com um rosto emoldurado por um sorriso que mais parecia de criança, eternamente feliz. Presenciei, tantos anos depois – e tão poucos que ainda os consigo contar – como Youssou N’Dour permanece, ainda hoje, num cantinho tão especial no coração dos senegaleses e das gentes de Dakar.

Aquele que os senegaleses tratam carinhosamente como You começou a cantar na mítica Star Band quando havia completado há pouco tempo 12 anos e, ao atingir a idade adulta, a sua maturidade musical conduziu-o naturalmente à liderança da Étoile de Dakar, outra banda popular que rivalizava com a Diamono, de onde viriam a sair, em etapas diferentes da sua existência, Omar Pene e Ismaël Lô.

Youssou N’Dour nasceu e cresceu no bairro de Medina e faz no próximo dia 1 de Outubro 55 anos. Por essa altura, em meados do século XX, Dakar começava a impregnar-se das influências musicais provenientes de outros quadrantes e, não satisfeita e plena de criatividade, não perdia muito tempo a transformar essa batidas num ritmo próprio e personalizado.

Se a história não nos mente, ela tem o seu lado belo e, ao mesmo tempo, dramático: os galeões, saídos da Ilha de Gorée durante os séculos da escravidão, sulcavam as águas do mar e, seguindo a mesma rota, cruzavam-se com outras embarcações que, vindas de muito longe, do mar do Caribe e das Antilhas, carregavam mercadorias para os portos das cidades da África Ocidental e do Golfo da Guiné colonizadas por franceses e britânicos. E entre esses bens, algures nos porões, vinham uns discos afro-cubanos que rapidamente ganharam popularidade nesse período do qual todos nos devíamos envergonhar. Aqueles que tinham rádio – ou cujo vizinho tinha um – não tardaram a familiarizar-se com os programas que difundiam as rumbas e outros sons que tanta inquietude lhes provocava num corpo já com propensão para se agitar.

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