Bajo tu amparo no hay desengano
Vuelan los años, se olvida el dolor
Sigo para La Boca, fitando as cores das suas casas, chapas de zinco pintadas, tão características da arquitectura, um bairro que, como Buenos Aires, oferece duas faces, por um lado a poesia, por outro, a partir de determinadas zonas, um mundo em efervescência, pouco ou mesmo nada vocacionado para turistas inocentes, de câmara fotográfica na mão ou ao peito; outra vez, duas caras, as cores garridas em contraste com a vida cinzenta que muitos parecem levar. Evita, Maradona, Gardel, em papel machê, saúdam-me das varandas. El Caminito espera-me, com o seu ritmo próprio do final de tarde: tambores rufando, esperando o tilintar de moedas no bolso do turista curioso, um casal dança o tango com uma elegância que me faz desviar o olhar com vergonha da minha falta de destreza, os turistas aplaudem, sorriem, agitam outra vez os bolsos à procura de mais uns trocos.
A noite tomba, outra noite cairá sobre Buenos Aires, e mais outra, dando tempo para que procure a herança parisiense absorvida no século XIX, com os seus bares e cafés revelando-se como centros sociais por excelência, melhores exemplos para apreender, com detalhe, a idiossincrasia porteña – no La Perla, na entrada da calle Caminito, no bairro La Boca, no El Balcón, na plaza Dorrego, em San Telmo, em Palermo, em redor da plaza Cortázar, em cafés como Malas Artes, El Taller ou La Galera, com música ao vivo.
E, uma vez mais, o tango, também em Palermo, no La Viruta, na calle Armenia.
Mi Buenos Aires querido
Quando yo te vuelva a ver,
No habrá más penas ni olvido
BOGOTÁ
Cem Anos de Solidão, de Gabriel García Márquez, foi editado, pela primeira vez, em Buenos Aires. O escritor viveu, durante um período da sua existência, na capital colombiana, na verdade o palco onde se tornou um grande repórter.
- Como és bonita, mi ciudad!
Gosto de fitar a cidade desde as alturas, desde Monserrate, o seu monte sagrado, e as palavras da jovem morena, também ela plantando o olhar sonhador na planície pela qual se estende a metrópole, conduzem o meu pensamento até aos dias em que o grande escritor calcorreou as suas ruas inquietas à procura de notícias e reportagens.
“No México, enquanto escrevia Cem Anos de Solidão – entre 1965 e 1966 – só tive dois discos que se gastaram de tanto serem ouvidos: os Prelúdios de Debussy e A hard day’s night dos Beatles. Mais tarde, quando por fim tive em Barcelona quase tantos como sempre quis, pareceu-me demasiado convencional a classificação alfabética e adoptei para minha comodidade privada a ordem por instrumentos: o violoncelo, que é o meu favorito, de Vivaldi a Brahms; o violino, desde Corelli até Schönberg; o cravo e o piano, de Bach a Bartók. Até descobrir o milagre de que tudo o que soa é música, incluídos os pratos e os talheres no lava-loiça, sempre que criem a ilusão de nos indicar por onde vai a vida.”
Assim escreve Gabo, grande apreciador de música e habitual frequentador de bailes durante uma grande parte da sua vida, em Viver para contá-la, a autobiografia editada em Portugal pela D. Quixote.