Fugas - Viagens

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Guatemala: No cimo do vulcão e com vista para o vulcão

- Cuidado, olha que passear por esta cidade pode ser perigoso.

Recusa-se a dizer-me o nome. E até me podia mentir. Mas não o faz. Como se não tivesse nome. Apenas sentimentos. Levanto a cabeça, receando que os perigos espreitem das alturas mas nada mais vejo do que os contornos mal definidos de um vulcão. Não será um vulcão como um país: um exposto aos humores e à força da natureza, o outro aos humores e ao poder dos políticos?

Prometo a mim mesmo, como viandante eternamente intrépido, pensar sobre esse aviso mais tarde. Escuto as palavras de la niña mas o medo não me acompanha, apenas a prudência, em dose moderada.

Palácio de má memória

À minha frente desenha-se, dominando o Parque Central, oficialmente conhecido como Plaza de la Constitución e cenário, como em tantas outras cidades do Novo Mundo, de exercícios e cerimónias militares, o imponente Palacio Nacional de la Cultura. Construído como palácio presidencial entre 1936 e 1943, durante o período dictatorial do general Jorge Ubico e com o sacrifício de vidas de prisioneiros forçados a trabalhar, a estrutura arquitectónica permanece, a despeito do seu passado trágico, como uma das mais magnificentes em todo o país, uma mistura entre diferentes estilos, dos primórdios do Renascimento espanhol até ao neoclássico.

Nos dias que correm, a maior parte dos departamentos governamentais já se transferiram para outras áreas, o espaço transformou-se em museu e em palco privilegiado de alguns eventos culturais, da mesma forma que recebe o turista para visitas guiadas por uma espécie de labirinto das artes que quase sempre termina no balcão presidencial, de onde o presidente de uma república das bananas costumava observar as suas tropas – e num dos pátios, o Pátio de la Paz, não deixe de depositar um olhar, fugaz ou demorado, no monumento que mostra duas mãos (com uma rosa verdadeira que é substituída no dia 29 de cada mês), representando os acordos de paz do país, assinados a 29 de Dezembro de 1996, após 36 anos de luta entre as forças governamentais e grupos de guerrilheiros de esquerda que provocaram mais de 200 mil mortos.

Não muito distante, no primeiro andar do Palacio de Correos, com o seu arco tão elegante, encontro o Centro Cultural Metropolitano, um espaço surpreendentemente avant-garde, com exposições de arte, livros acabados de publicar e ateliês de artesanato, entre outros acontecimentos culturais. Logo de seguida, caminhando sempre, deixo que os meus passos me conduzam até à Casa MIMA, um museu e centro cultural com uma apresentação exemplar abrigado num edifício de finais do século XIX, cujos proprietários, com gostos tão ecléticos, foram colecionando ao longo dos anos artefactos em estilos tão diversificados como o neo-rococó francês, peças chinesas, art déco e outros da cultura indígena.

A cidade da Guatemala pode não ser a cidade mais bonita do mundo – não é definitivamente. Mas é como uma mulher que, embora não se fixando durante muito tempo o olhar nela, produz os seus encantos num homem à medida que a conversa vai fluindo e ela, de forma natural e autêntica, expressa os seus sentimentos tão nobres.

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