Fugas - Viagens

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Guatemala: No cimo do vulcão e com vista para o vulcão

Antes de adormecer, não deixo de me interrogar, sem obter resposta: o que terá levado os espanhóis a transformar a cidade na sede do poder religioso, metropolitano e civil, tal a intensidade sísmica registada (16 grandes tremores de terra nos últimos 200 anos) no vale de Panchoy – um vale que nunca deixa de atrair turistas e rodeado pelas suas verdes colinas e pelos vulcões del Água, del Acatenango e del Fuego? Antígua vive à sombra deles, é vítima deles e a eles deve, porventura – mais ao grande sismo de 1773, quando deixou de ser capital e esse estatuto foi conferido a uma cidade no vale de la Ermita, hoje conhecida como Cidade da Guatemala -, a sua essência, a sua sonolência, a sua indolência, a sua proximidade ao passado e a sua distância em relação ao futuro.

Nem Água, nem Acatenango, nem Fuego. Outro vulcão me espera, quando o dia romper sobre a antiga Santiago de los Caballeros, capital do reino da Guatemala durante 230 anos.

A manhã rompera há pouco tempo, os turistas acomodam-se no interior da viatura, uns contra os outros, ainda temerosos do frio que faz lá fora.

Quando chego à aldeia que é ponto de partida para o cume do vulcão Pacaya, dominada por um pequeno café, os rostos das crianças, de um menina cheia de sardas na cara e cheia de sorrisos, de outro que não sorri e ainda de outro que apenas ameaça sorrir, volto a lembrar-me de um pedido singular, de uma pedra que devo carregar de regresso a casa. Sobe-se, desce-se, observa-se, respira-se com maior ou menor dificuldade; há um casal de suecos, já para lá da meia-idade; ele acabará por ser vítima de uma queda, o sangue irá correr pelas pedras enegrecidas; três cães, intrépidos como os viajantes, acompanham a caravana que tenta vencer a subida, uns e outros cansados. Os cães chegam ao cume, a 2552 metros, e fecham os olhos, os turistas atingem o cume e abrem os olhos.

O guia, com um colete onde se pode ler Pacaya Tours, mantém-se silencioso, de quando em vez mexe com um pedaço de madeira naquele braseiro vivo, como alguém que, numa noite fria de Inverno, aviva as chamas de uma lareira; ao longe, um vulcão expele uma nuvem de fumo, mais densa do que aquelas que saem dos autocarros da Cidade de Guatemala na hora de arrancar; o cenário é majestoso, corta a respiração; para um lado Antígua, para o outro a Cidade da Guatemala.

Como numa montanha russa, ora subo, ora desço, a vertigem acompanha-me, a mim e aos outros turistas, todos ignorando o perigo que pode espreitar a qualquer hora. A vida é feita de riscos, sem eles, soa mais a morte. Há 23 mil anos que o Pacaya entrou em erupção, adormeceu mas nunca deixou de constituir ameaça e de atormentar o sono de quem vive no sopé, como alguém que descendo do dorso de um cavalo, mesmo estando de pé firme em terra, espera sempre um coice; há 50 anos, o vulcão despertou e, umas vezes indolente, em outras de mau humor, provoca receios entre aqueles que ouvem a sua respiração, ora pausada, ora ofegante.  

Ao longe, perscruto a Cidade da Guatemala, a Guate para os mais íntimos, onde la niña, sem tempo para se cansar com subidas a vulcões, estará a esta hora a tentar vender a um turista as cores fortes da Guatemala na forma de uma toalha ou de outro elemento decorativo. E, provavelmente, a entoar os versos de José Martí.

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