Fugas - Viagens

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Guatemala: No cimo do vulcão e com vista para o vulcão

A Zona 10 tem, no interior de edifícios modernos da Universidad Francisco Marroquín, a menos de um quilómetro da Avenida La Reforma, dois dos melhores museus do país: o primeiro, o Museo Ixchel, nome de uma deusa da lua, das mulheres, da reprodução e, para minha surpresa – ou talvez não, estando na Guatemala - dos têxteis, exibe uma boa parte da riqueza das artes tradicionais das vilas das terras altas; o segundo, nas traseiras do primeiro, é o Museo Popol Vuh, com uma mostra de estatuetas pré-hispânicas, de máscaras de madeira e artefactos em prata, bem como uma réplica do Dresden Codex, um dos mais preciosos livros ilustrados dos Maias e uma colecção colorida de animais da arte desta civilização.

Tudo parece reduzir-se a um número na Cidade da Guatemala. Não sendo obrigatório, da Zona 10 passa-se para a Zona 11 e logo para outro museu, o Miraflores, moderno (não é por caso que se encontra localizado entre dois grandes centros comerciais) mas focado em objectos encontrados em Kaminaljuyú; a seguir, para a Zona 13, área que acolhe o Mercado de Artesanías, o Aurora Zoo, o Museo de los Niños, o Museo Nacional de Arqueologia y Etnologia, o de Arte Moderna e, por fim, atrás deste último, o Museo Nacional de Historia Natural Jorge Ibarra.

É tempo para um copo no El Portal, o bar que Che Guevara costumava frequentar durante a sua permanência no país, na década de 1950. A vida corre lá fora, por vezes frenética; no interior do El Portal, a hora é de repouso. Sinto que o mereço, como provavelmente Che sentia.

À espera do vulcão

Ao fim da tarde, quando o sol já definha, deixo a capital e, sentado num dos bancos traseiros de um autocarro que em tempos pertenceu a uma escola dos Estados Unidos, com um exterior onde não cabe nem mais uma cor ou motivo, observo como um fumo negro, saído do escape, além de poluir, assinala o início da viagem, com um rigor no horário que o caos do terminal não deixava antever.

Encimando o motorista e os vidros por onde este espreita a estrada, não raras vezes de cigarro na boca, ícones religiosos misturam-se com ídolos da música pop norte-americana, a convivência parece saudável e ganha eco pelo meio do corredor onde há espaço para todos: para os utentes à falta de lugares disponíveis, para os vendedores de tudo ou de nada, da vida eterna, da propaganda religiosa, da última descoberta da cura para uma doença da qual nem os passageiros alguma vez ouviram falar mas receiam contrair, para a nova pasta dos dentes que os irá deixar mais brancos (se ainda os tiverem) do que nunca, uma gritaria que rivaliza – e quase sempre fica a perder – com o som da música que o motorista não hesita em colocar no máximo, expressando a sua paixão pela batida ou o seu ódio pelo ruído produzido pelo motor do veículo que um dia, há já alguns anos, transportou estudantes com outras condições de vida e a quem nem um único vendedor tentava impingir o que quer que fosse.

Chego a Antígua e quando percorro os corredores do hotel com o seu charme colonial, recordo uma vez mais la niña, a sua canção roubada, o aviso, e esboço um sorriso porque a Cidade da Guatemala, não sendo dócil, é uma cidade como tantas outras no mundo, onde tanto se pode morrer dentro de um autocarro rejeitado pelos americanos como viver sem ser perturbado, num autocarro ou na rua.

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