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A quadra natalícia no outro lado do mundo

Durante a colonização holandesa, que sucedeu à presença portuguesa em algumas ilhas, a influência católica regrediu e deu lugar à do protestantismo, que em conjunto com o catolicismo perfaz cerca de 10% da população. Mas a acção evangelizadora portuguesa prevaleceu aqui e ali, como nas comunidades das ilhas do Mar de Banda, em Sulawesi e nas Molucas, e, também, em Timor Ocidental e na ilha das Flores, onde as celebrações são muito expressivas e as paisagens se configuram com inúmeras igrejinhas de arquitectura mestiça, marcadas pela presença de elementos da arquitectura popular local. Em Bali, são curiosíssimas essas fusões arquitectónicas, que mostram a forte influência hindu nos elementos estruturais e decorativos. O templo dedicado a São José, em Denpasar, lembra muito bem, na cor, na representação das figuras do panteão cristão e nas linhas da torre a arquitectura religiosa hindu.

Nas grandes cidades indonésias, o cenário é semelhante ao que encontramos por quase todo o Sudeste Asiático, árvores de Natal cintilantes nos centros comerciais e muitos sinterklas — o Pai Natal de influência linguística holandesa. No vocabulário natalício damos também com sinais da herança cultural lusitana: o internacional Merry Christmas tem no arquipélago o equivalente Selamat Hari Natal, os fiéis deslocam-se às igrejas para as cerimónias e para a misa do galo, enquanto as crianças entoam as canções ensaiadas na sekolah e sonham, presumivelmente, com as bonekas e bolas solicitadas ao Pai Natal. Fogo-de-artifício na véspera ou no dia de Natal, mensagens para os familiares distantes, orações em casa ou nas igrejas, cânticos e danças (como a toja bobu, nas Flores), a par da representação de pequenas peças de teatro por jovens e crianças e da gastronomia típica da época, são alguns dos aspectos que caracterizam as celebrações na Indonésia. À mesa, além dos doces, reina um caldo de feijão e a carne de porco grelhada — apesar da sua interdição para a maioria muçulmana, é um tipo de alimento assíduo nas dietas de outras comunidades religiosas.

Em muitos lugares do arquipélago, enfim, os últimos dias do ano não diferem muito dos que se vivem noutras latitudes, a não ser em “pormenores” como o clima, que convida a aprazíveis passeios após a Consoada, transportando-se para a rua a animação e um pouco do fervor religioso da época. E sempre achamos coisas familiares, como as tão internacionalizadas canções de Natal Jingle Bells e Silent Night, umas vezes em inglês e outras, quase sempre, aliás, na versão local em bahasa. E para os cerca de 25 milhões de cristãos indonésios há, ainda, transmissão radiofónica e televisiva de concertos de Natal, além da emissão pela RTVI, uma estação de televisão estatal, de algumas das celebrações.

Missa do Galo em Banguecoque

Na Tailândia budista, o Natal tem essencialmente uma dimensão de evento comercial. Mas mesmo em Banguecoque, onde as vistosas decorações natalícias lembram as de Kuala Lumpur, há minorias cristãs a festejar o Natal — com uma nota relevante, que é a de a introdução do cristianismo no antigo reino do Sião ter registado, também, intercessão lusitana. Os portugueses chegaram à capital, Ayutthaya, no início do século XVI e foram muito bem recebidos, tendo-lhes sido permitido, mesmo, edificar igrejas e praticar o seu culto, em flagrante contraste com a intolerância que vinham praticando na Índia e noutros locais com crenças religiosas que não fossem a cristã. Conta Fernão Mendes Pinto que o rei do Sião “lhes deu licença para que pudessem em qualquer lugar do seu reyno fazer igrejas em que o nome do Deos Portuguez fosse adorado (…). E destas cousas & de outras muytas desta maneyra que pudera contar, se vé claramente quão grandioso & bem inclinado por natureza era este principe, inda que era Gentio”.

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