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A quadra natalícia no outro lado do mundo

Por Humberto Lopes (texto e fotos)

Por entre a diversidade cultural e religiosa do Sudeste Asiático, as celebrações da quadra natalícia pelas minorias cristãs em casa, na rua e nas igrejas.

Há um enorme mapa-mundo na parede. Os continentes estão “fora do sítio”, transviados — África à esquerda e as Américas à direita. Ao centro, a imensa Ásia. O hábito automatizado do olhar faz o viajante ocidental perder-se por uns instantes entre os meridianos. É a este mapa que o forasteiro deve dar atenção, esquecendo o que trouxe de casa, e de pequenino decorou, mais do que aprendeu. E é neste mapa que tem de naufragar.

As agendas das partidas de barco para Lombok e daí para a ilha das Flores não têm boas notícias. O mesmo para Ambon, o mesmo para as ligações aéreas para Kupang, para Labuanbajo. Não por causa de qualquer monção, que não é agora o seu tempo; estamos em Dezembro, o Natal está à vista e há um mar de gente a precisar de navegar para as ilhas “mais cristãs” da Indonésia.

No século XV, quando os navegadores portugueses começaram a frequentar este vasto arquipélago, havia um punhado de mapas, mas neles devia faltar metade do mundo. Talvez não neste caso, já que o mapa do piloto Francisco Rodrigues, que acompanhou o navegador António Abreu às Molucas, revelava impressionante descrição pormenorizada da região. Fosse o inverso, não se deixariam os recém-chegados tomar por hesitações depois de tanta navegação: às Molucas, a Sulawesi, as antigas Celebes, e às Flores, foram os portugueses pelas especiarias e pela madeira de sândalo e nesses afazeres se ativeram com tenacidade. E com os comerciantes seguiram missionários, sem os quais os indonésios das ilhas do Mar de Banda não acudiriam agora ao reencontro anual com as famílias e às celebrações natalícias. Santa aliança, assim o intuiu o Padre António Vieira: “Se não tivessem ido os comerciantes em busca de tesouros na Índia Oriental e Ocidental, quem teria então transportado os pregadores que levavam consigo os tesouros celestiais? Os pregadores levaram o Evangelho, e os comerciantes levaram os pregadores.”

Fruto de migrações milenares e de influências ocidentais, o Sudeste Asiático há muito vem realizando o destino universal de miscelânea de povos e de culturas — e a miríade de pequenas comunidades cristãs, como, por exemplo, a do Bairro Português de Malaca, entre vastas maiorias religiosas que povoam a região, é apenas um dos sinais. Como o é, também, o Natal, que é celebrado um pouco por todos os quadrantes do Sudeste Asiático, da Tailândia ao Vietname, do Camboja à Indonésia. E em alguns países, como na islâmica Malásia, o dia 25 de Dezembro é, mesmo, feriado nacional. Quanto à face comercial e profana das festividades, ela corresponde ao espaço social e cultural em que as diferentes comunidades religiosas se encontram numa comum celebração.

Há cenários paradigmáticos em Malaca, a velha possessão portuguesa dos séculos XVI e XVII, que se repetem noutras paragens da Malásia: na mesma rua, ou num pequeno bairro, vizinham-se um templo taoista, uma mesquita, um espaço budista, uma igreja cristã, um santuário hindu. Esta convivência tem uma infinidade de outros timbres e impregna, muitas vezes de forma subtil, a vida social da Malásia.

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