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A quadra natalícia no outro lado do mundo

A destruição de Ayutthaya, no século XVIII, na sequência de uma das muitas guerras com o arqui-inimigo reino de Pegu, levou para Banguecoque os portugueses que ali viviam e os siameses convertidos ao cristianismo pelos missionários católicos. Os seus descendentes, alguns conservando, ainda, apelidos lusos, celebram o Natal, hoje, em três igrejas da capital tailandesa, as da Imaculada Conceição, de Nossa Senhora do Rosário e de Santa Cruz, esta última situada na zona de Thonburi, a dois passos do rio Chao Phraya.

Entre a igreja de Santa Cruz e o Wat Kalayanamitr, um templo budista, estende-se um aglomerado de casinhas modestas, em madeira, imersas num labirinto de estreitas ruelas, muito tipicamente tailandesas, um prodígio de sobrevivência na grande selva de betão e asfalto que (também) é Banguecoque. É aí que vive a comunidade católica que todos os anos, em Dezembro, e depois de uma Consoada de iguarias orientais, acorre à Igreja de Santa Cruz para assistir à tradicional Missa do Galo.

O que dizem os presépios de Malaca

À entrada do bairro português de Malaca, onde vive uma comunidade de descendentes da gente lusa que ali esteve nos séculos XVI e XVII, há um cartaz anunciador de boas-vindas: “Selamat Datang ke Medan Portugis - Welcome to the Portuguese Settlement”. Quando se aproxima o final do ano, o viajante é recebido, também, com mensagens que fazem alusão à época — e não apenas em inglês ou em bahasa. No meio de uma panóplia de luzes e decorações natalícias, na Medan Portuguis, somos recebidos com um “Bong Natal & Bong Anu Nubu”, expressão em crioulo português, linguarejar ainda falado por alguns membros de gerações mais velhas do bairro, mas — tal como outros elementos da cultura da comunidade — em vias de extinção.

As celebrações de Natal desta pequena comunidade católica são tão famosas localmente quanto as festas dedicadas a São João e São Pedro. A todas acorrem milhares de visitantes, entre os quais muitos malaios de outras comunidades e, ainda, familiares emigrados em Singapura e na Austrália. A atmosfera é a de uma animadíssima festa popular, que se estende noite dentro — com fogo-de-artifício, gente mobilizada para batalhas de neve artificial e uma iconografia delirante que exibe renas, bonecos de “neve” e um ubíquo Pai Natal insuflável, numa folia que se tornou importante atracção turística de Malaca renomada a nível nacional.

Não faltam, naturalmente, e um pouco por toda a parte, nos quintais e nas ruas com nomes portugueses — Jalan Sequeira, Jalan d’Albuquerque, Jalan Teixeira —, árvores de Natal. E presépios nos pátios e jardins, que além de contarem a história habitual podem também ser notados como um signo do êxito, ainda que imperfeito, que a Malásia alcançou na configuração de uma sociedade multicultural e multirreligiosa.

O mapa infinito

O Oriente, de onde vem tudo, a luz e a fé, como escreveu Pessoa, é tudo menos um ponto cardeal de semânticas obedientes, um universo domesticável por rótulos turísticos. Faz-se cego o viajante que o ignore e consigo leve a carapaça de (pre)conceitos com que rege a sua relação com os demais mundos em que os outros se movem e vivem.

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