Por não citadas, tantas outras centenas de fantasias culinárias, moldadas por variações locais, como acontece com a cozinha nyonya, não são menos gastronomicamente sedutoras ou elegíveis para o exercício proposto por Italo Calvino. O mesmo é igualmente válido para a imensa oferta de batidos de fruta tropical e de cerveja local — como a Beerlao, a Angkor e a cerveja artesanal de Hanói, a que se juntam o chá de gengibre, o de masala e, ainda, o omnipresente chinese tea.
Uma geografia de sabores
Se o mapa culinário, ainda que abreviado, resulta num amável labirinto de perdições, a cartografia destes pequenos negócios familiares obriga inevitavelmente a uma imersão em espaços carismáticos que escoram as identidades urbanas das cidades asiáticas e onde se revelam instantâneos desta despretensiosa comida de rua: as cozinhas alinhadas à beira do Mekong, na histórica Luang Prabang, ou em Pakse, no Laos, as bancas do Mercado Central ou os “restaurantes” de toldos e banquinhos de plástico na Preah Ang Eng (ou 13 St.) a dois passos do Museu Nacional de Phnom Penh, e arribados à muralha de um templo budista, o mercado de arquitectura colonial de Bantambang, no Norte do Camboja, as cozinhas de Yaowarat, a Chinatown de Banguecoque, ou de Nang Loeng, um dos velhos mercados da capital tailandesa, ou, ainda, os mercados nocturnos de Ayutthaya, Chiang Mai e Chiang Rai, no Centro e no Norte da Tailândia, a Chinatown de Kuala Lumpur e a mais recatada Glutton Street, também na capital da Malásia, os mercados e as furgonetas fumegantes de Jacarta, de Bandung e de Surabaia, na Indonésia, o mercado de comida de Glutton Bay em Singapura, os botecos do Phô co Hà Nôi , o bairro mais antigo da capital vietnamita, ou os fogareiros nas noites fluviais de Hué e de Hoi An e os mercados e as ruelas do centro de Ho-Chi-Minh, o cruzamento animado da Lebuh Chulia com a Love Lane, em George Town, No norte da Malásia. Tudo o que se enumera não logra ser mais do que uma modesta fracção do vasto éden de comida de rua que é todo o Sudeste Asiático.
Em muitos desses espaços vem crescendo uma oferta turística de visitas guiadas a recantos menos e mais badalados (chamam-lhes Food Safari em Singapura), onde o forasteiro pode aceder à experiência do eat like a local. Noutros sítios, como em Chiang Mai ou em Penang, tornou-se moda a realização de workshops de culinária. Estas “tendências” têm, no entanto, reversos de medalha: em Penang, tem sido registada desde o ano passado uma reacção contra a instalação de chefs alienígenas, e de restaurantes de cadeias internacionais, pelo risco, alega-se, de adulteração dos sabores — os “verdadeiros” — da gastronomia local. Os admiradores da receita de nasi kandar (arroz temperado com especiarias acompanhado por diferentes tipos de caril e vegetais, como beringela), um prato exemplar da gastronomia multicultural da Malásia, poderiam perder, no espaço de numa geração, a referência dos sabores tradicionais, obtidos com as técnicas locais de confecção. No “engolir o país”, sublinha Italo Calvino, inclui-se expressamente toda a dimensão cultural que envolve a criação da iguaria, “não só as diversas práticas da cozinha e do condimento, mas também o uso dos diversos instrumentos com que se mói a farinha ou se mexe a panela”. E, também, os ingredientes apropriados e devidamente escrutinados pela experiência acumulada dos saberes locais — acrescentava, justamente, Olívia, a viajante de Calvino na sua jornada gastronómica por Oaxaca, que “… se a matéria-prima for insípida, nenhum condimento pode realçar um sabor que não existe”.