Fugas - Viagens

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Marselha, do primeiro rap ao último tango

Somos dez numa mesa para dois – todos convidados, à la minute, de Joseph. Bruno regressa com um cacho de uvas na mão e conta como Arles é um lugar de História. Joseph, de mãos dançantes e olhos de felino, acredita que este tango vindo da Argentina podia muito bem ter nascido aqui, que Arles tem curvas de mulher. “Basta olhar em volta.” Começando pelas margens do Ródano, que transportava barcos comerciais, pontilhando as dezenas de igrejas e capelas e parando para respirar junto à arena romana (ou anfiteatro) (séculos I e II) e ao Teatro Antigo (que começou a ser construído 40 anos antes de Cristo), Arles não pára de contar episódios, mais de dois mil anos deles, com romanos à mistura, execuções públicas como espectáculo e muito teatro nesta areia. Está tudo cravado na pedra, essa que vem dos vales em volta, sob o nome de calcário branco, que foi dando cor aos castelos, arenas e edifícios históricos desta linha provençal (no Vale do Inferno existe uma pedreira desactivada – as Carrières de Lumières – onde se organizam concertos, projecções de filmes e de pinturas). Mas os relatos que se prolongam nas esplanadas um dia pintadas por van Gogh são outros. Todos parecem querer viver da cultura em Arles, seja por profissão ou por coleccionismo.

Cidade clara, câmara escura

Entre o final da tarde e o início das estrelas – e não mais do que isso, porque a noite é dos clandestinos –, ardem as conversas à luz das velas e acendem-se as casas que são obras de arte – desde as traves de madeira a segurar os tectos até às estantes grávidas de livros gordos. E multiplicam-se as inaugurações, o tango, os eventos pontuais próprios de uma pequena cidade onde toda a gente do circuito, da elite, se conhece, se cumprimenta, troca isqueiros e garrafas de vinho e pastis. Quase como se as noites arlesianas fossem laboratórios em silêncio, onde as películas dormem em emulsão para se revelarem no dia seguinte.

Seja pelas latitudes do Sul francês, pelo rio ou pelo calcário da cidade, a luz existe em Arles como em muito poucos lugares. Talvez por isso (e esta hipótese é infundada) tenha surgido nesta cidade o primeiro festival de fotografia da Europa, os Encontros de Arles, que celebraram 46 anos de fervência em Setembro e que continuam a ser um dos motivos que atrai mais turistas à cidade. O turismo, aliás, “representa 30% da vida económica de Arles”, declarou à Fugas Francine Riou, funcionária da autarquia. Prevê-se que os dois milhões de visitantes por ano sejam mais a partir de 2018, com a abertura do novo centro cultural que inclui um edifício espelhado de Frank Gehry como “cabeça de cartaz” (ver texto nestas páginas “A torre ondulada de Frank Gehry").

Sim, Arles são fotografias. Tanto as que tiramos com os olhos, em cada beco que se descobre ou miúdo que aparece a jogar à bola, como as que vemos coladas nas paredes, a lembrar onde estamos e porque se juntam aqui os nomes da fotografia mundial (um dia, também se juntaram pintores, como o van Gogh de quem já falamos, mas também Paul Gauguin e Pablo Picasso. Não pode ser coincidência.). São as imagens clássicas de Cartier-Bresson a cruzar os mares de Sugimoto na escola do Espaço Van Gogh, no Palácio do Archevêché ou na Abadia de Montmajour. E é Joseph – de noite, homem; de dia, personagem – a fumar cigarros entre goles de pastis, inebriado pelo cheiro de uma nova mulher que dança as linhas de uma velha cidade.

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