Rina Cukaj olha em frente, para um lado e para o outro, de forma espontânea abre os braços frágeis como se, com aquele gesto, pudesse abraçar toda a paisagem que se estende até perder de vista, com as suas árvores seculares, com ramos de um verde escuro e decoradas com flocos de neves, como milhares de noivas. Mas não é a panorâmica magnificente que a jovem, com os seus bonitos caracóis negros deslizando pelos ombros, pretende envolver, como depreendo mal as primeiras palavras lhe assomam aos lábios — tudo o que Rina Cukaj deseja, naquele momento, é abraçar uma memória, recuperando-a com todas as suas forças para a dividir comigo, testemunha silenciosa deste cenário majestoso.
- Quando caminho por Rugova, por vezes apenas entregue à minha solidão e aos meus pensamentos, evoco a história de uma menina com cinco/seis anos que tinha muito e ao mesmo tempo nada, uma pequena/grande casa bem no coração das montanhas. O meu pai era militar e, logo após o final da guerra que opôs o Kosovo à Sérvia (1999), todas as suas preocupações se centravam no bem-estar da família. Por isso, passávamos todos os fins-de-semana em Rugova.
Rina Cukaj cerra os olhos e suspira, como se recordar fosse apenas um acto cruel.
- Desde criança que me lembro de fazer grandes caminhadas e de escalar. Meu Deus, andei por tantos lugares perigosos e o mais estranho é que, se tivesse a oportunidade, faria hoje exactamente o mesmo, correndo os mesmos riscos. Há nestas montanhas qualquer coisa que ninguém entende, o cheiro, não há outro lugar no mundo com este aroma — como é agradável sentar-me durante umas horas e desfrutar o vento dançando com a minha alma. Pode parecer exagerado, demasiado poético, mas é mesmo assim, simplesmente irresistível.
Rugova é uma região montanhosa localizada a noroeste de Peja, também conhecida como os Alpes albaneses. Declarado parque nacional pelo governo do Kosovo em 2013, engloba 13 pequenas aldeias dispersas mas grande parte do seu encanto — e provavelmente a principal atracção — encontra-se logo a dois quilómetros dos limites da cidade: o desfiladeiro de Rugova, com um comprimento de 12 quilómetros e dividido pela forte corrente do rio Lumbardhi (Bistrica em sérvio), subsidiado por diferentes fontes que nascem nas montanhas. Ao lado das águas enfurecidas, a estrada, serpenteando como se imitasse o Lumbardhi, revela dois pequenos e bonitos túneis em pedra e, para um lado e para o outro, picos colossais erguendo-se como agulhas no céu, alguns a mais de dois mil metros.
A manhã escoa-se e a chuva teimosa não tarda a dar lugar à neve, um manto branco sob um céu escurecido. O frio insinua-se por entre a roupa, gela os ossos, mas o charme dos gigantes de pedra, como estátuas, dos vales com as suas casinhas e as suas chaminés por onde sobe o fumo das lareiras, tudo contribui para esquecer o rigor do Inverno e exacerbar um sentimento de gratidão perante uma natureza tão generosa.
Quando caminha, com passos curtos ao longo do trilho estreito, Rina Cukaj observa cada detalhe como se esta fosse a sua primeira experiência nestas montanhas que lhe reavivam memórias da sua infância feliz, como um fósforo ateando um fogo.