Fugas - Viagens

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    Fallas Heino Kalis/Reuters
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As festas de Valência até ardem

Por Sousa Ribeiro

Declaradas festas de Interesse Turístico Internacional e candidatas a Património Mundial da Humanidade da UNESCO, as Fallas atraem mais de um milhão de visitantes por ano, deleitando locais e turistas com os seus monumentos satíricos que na noite de 19 de Março são engolidos pelas chamas.

Aqueles olhos coruscantes, ávidos de interesse, tornam-se ainda mais expressivos e brilhantes quando, com uma certa autoridade, me garante:

- Não podes dizer que conheces bem Espanha sem, pelo menos uma vez na tua vida, viveres a experiência única das Fallas.

O meu sorriso não a desarma, antes a incita a argumentar, cada vez com mais veemência:

- Não sabes o que perdes: é uma manifestação cultural e satírica sem paralelo em todo o país. Já esqueci muita coisa na minha vida, mas recordo com nitidez, como se fosse ontem, a primeira vez em que assisti às Fallas. Até me lembro do meu vestidinho florido, dos meus sapatos, do meu casaquinho de lã.

Parti e, durante a longa travessia, entre Ibiza e Valência, ora observava a espuma que o ferry ia deixando para trás, ora reflectia sobre as palavras, pronunciadas com tanta ênfase, de Lourdes Cortes Domarco. 

Está a exagerar, pensava.

Cheguei ao porto numa manhã cheia de sol, a cidade estendia-se a uma escala que eu, provavelmente na minha ignorância, não imaginava. À saída, conduzindo como se fosse conduzido por uma vaga, deleitei-me com a beleza serena de antigos armazéns agora renovados e, mais para lá, para oriente, sentindo cada vez mais os odores do mar, adivinhava a praia que não tardou a recortar-se no meu campo de visão, uma grande extensão de areia envolta numa tranquilidade apaziguadora.

As vagas sossegavam-me, imaginar as Fallas inquietava-me.

A caminho do centro histórico (muitas das ruas estão fechadas ao trânsito) logo me deparei com uma cidade também ela inquieta mas feliz. De rostos felizes. Senti vontade de telefonar a Lourdes Cortes Domarco quando, de repente, perscrutei os primeiros monumentos e a crescente excitação de quem os admirava. O odor a pólvora entra-me, sem eu o convidar, pelas narinas e logo que o fumo se desvanece, como uma neblina matinal, são as cores e o som que se impregnam, contagiando tudo à sua volta, como um convite para permanecer, agarrado ao espectáculo que se anuncia e ameaça prolongar-se. Todos os anos, as festas de Valência, conhecidas popularmente como as Fallas, assim como uma espécie de Carnaval retardatário, atraem mais de um milhão de visitantes que enchem as ruas como um formigueiro e dão as boas-vindas ao fogo, a esse símbolo de renovação, de mudança de ciclo, a um prenúncio de Primavera que serve de desculpa para o uso da sátira e do sentido de humor, queimando verdadeiras obras de arte em poliuretano e papelão que são colocadas sobre estruturas de madeira.  São, no total, cerca de quatro centenas de monumentos (a que se podem acrescentar mais uns 250 noutras aldeias da comunidade valenciana), flores por todo o lado, crianças vestidas de falleras, novos e velhos vivendo na rua, comendo e dançando ao som de múltiplas bandas, ora avançando, ora recuando mal escutam o ruído produzido pelos petardos. Quase em todas as ruas existe um casal fallero, um lugar onde se reúnem as comissões falleras para encontrarem fundos para construir os seus monumentos (mas onde também se realizam, ao longo de todo o ano, eventos festivos e culturais que reforçam a importância destas comissões na vida social da cidade) que chegam a atingir — e por vezes a superar — os 30 metros de altura e que incluem letreiros escritos em valenciano contendo explicações sobre cada cenografia. Como complemento a estes letreiros, algumas comissões elaboram o chamado llibret de la sátira, no qual se explica, recorrendo a versos satíricos, o conteúdo da falla, uma tradição iniciada já no século XIX e popularizada no início da segunda metade do século passado por autores como Emili Panach e José Bea Izquierdo e que actualmente tem a sua própria categoria na secção de prémios.

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