Vamos ao Palácio Bahia e vemos os quartos das quatro mulheres oficiais, mas não os das 24 concubinas que estão actualmente fechados ao público, logo a seguir ao telefone de Souâd Bouhaik, a nossa guia, começar a tocar ao som do chamamento para a oração da tarde. Ela explica que o telemóvel está preparado para a avisar das horas de oração, mesmo que não as possa fazer, por estar a trabalhar. De riso fácil, brinca com a sexualidade. Diz que a razão para as mulheres e homens não puderem rezar no mesmo espaço é uma tentativa de evitar tentações, com tanto curvar e levantar e prostrar e curvar de novo (explicação que havemos de ouvir, de novo, em Casablanca). Que o vizir que ali vivia escolheu como sua favorita não a mais jovem e mais bonita das suas amantes, mas aquela que lhe deu o primeiro filho. Que qualquer mulher de Marrocos pode exigir o divórcio e que ele ser-lhe-á concedido. Que não se sente discriminada, nada disso.
E tudo isto enquanto passa pela sala de audiências e dos embaixadores, com belos tectos pintados, pelos antigos quartos das mulheres oficiais do vizir e pela sala profusamente decorada onde as recebia e às concubinas — nunca a mesma duas vezes seguidas, explica a guia. O palácio, como a madrassa, é um oásis dentro da cidade velha, dentro das muralhas que se estendem por 19 quilómetros. Mas Marraquexe cresceu para lá da medina e se, do lado de fora, há muitos hotéis de cinco estrelas com as suas piscinas, galerias de artes e as mesmas lojas que se encontram em qualquer cidade europeia, há também o mundo encantado de verde, amarelo e azul do Jardim Majorelle. Originalmente construído pelo pintor Jacques Majorelle (autor do azul vibrante que leva o seu sobrenome), o jardim foi comprado por Yves Saint-Laurent, que ali viveu com o companheiro, Pierre Bergé, e oferecido pelo estilista à cidade, como agradecimento pelo acolhimento que lhe fora dado. Foi também ali que foram colocadas, a seu pedido, as cinzas de Saint-Laurent, depois da sua morte.
Casablanca, a olhar o céu
De Marraquexe a Casablanca chega-se por uma auto-estrada impecável que liga o faz-de- conta da primeira à realidade crua da segunda. Casablanca é uma cidade a sério. Com prédios e muito trânsito. Com mar à porta e um porto. Com indústria e muita gente nas ruas. Mas é Marrocos e Marrocos tem sempre o seu quê de irrealidade, que aqui se traduz na Mesquita verde e branca de Hassan II. Construída parcialmente sobre o mar, é um monumento do século XX à mestria dos artesãos que preservam as velhas artes marroquinas. E tudo é em grande. O minarete com 200 metros de altura (a mesma medida do comprimento da mesquita), as 24 cúpulas, 76 colunas e 25 portas de titânio. Os candelabros venezianos, o maior dos quais pesa 12000 quilos, a profusão de mármores de Itália e Espanha, o cedro trabalhado dos tectos, o estuque rendilhado…
Podia ir-se a Casablanca apenas para se ver a mesquita, mas a cidade acaba por revelar-se uma surpresa para quem aprecia arquitectura, com as suas avenidas largas e os edifícios planeados e construídos no início do século XX a espreitarem em cada esquina.