Fugas - Viagens

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Bucovina, há 500 anos a contar histórias

Os olhos não se cansam, percorrem os frescos do exterior, datando de 1535, como os dedos percorrem as páginas de um livro, com a mesma delidadeza, sem pressas, ora seguindo aqueles que são dedicados à Virgem Maria, padroeira do santuário, ora os que mostram a vida e os milagres de São Nicolau; depois, viram-se para os que pintam o cerco persa de Constantinopla e a reconquista da cidade, em 1453, ou o Regresso do Filho Pródigo ou, ainda, cenas da vida de São Jorge e mesmo do Diabo Cómico (uma mulher).

Sede de uma respeitável escola medieval de calígrafos e iluministas (se bem que muitos dos trabalhos produzidos encontram-se actualmente expostos em museus como o de Putna), o mosteiro de Humor, também por ser o primeiro que franqueio, convida a permanecer e a uma segunda contemplação, agora mais focada no pórtico, nas pinturas do Juízo Final, com os seus elementos decorativos tipicamente moldávios, em três imagens rectangulares, pintadas a vermelho, a branco e a preto e exclusivas de Humor, representando o fogo, o frio e a escuridão do Inferno.

Uma vez no interior, por onde a luz do sol tenta insinuar-se através das pequenas janelas — e por isso conserva sempre a frescura — a expressão de espanto não diminui, aqui e acolá até se acentua, talvez exacerbado pela atmosfera silenciosa, pelo mosaico de cores, pelas pinturas de Theodor Bubuiog (o fundador, falecido em 1539, encontra-se sepultado, tal como a sua mulher, em Humor) oferecendo, com a ajuda da Virgem Maria, uma réplica do mosteiro a Cristo e outras, na primeira divisão, designada pronaos, exibindo diferentes cenas de mártires ou, finalmente, sobre a fronteira decorativa, uma representação pictórica dos três primeiros meses do calendário ortodoxo (synaxary), Setembro, Outubro e Novembro.

- Aqui, neste lugar tão especial, o meu coração enche-se de alegria.

Despeço-me da irmã e saio para a rua, ao encontro de duas senhoras, sorridentes, bonitos e floridos lenços cobrindo-lhe a cabeça, que me tentam vender ovos da Páscoa, ricamente pintados. Em Bucovina, há uma crença popular que diz que se um ovo santificado não se rachar até à Páscoa (ocorreu no dia 1 de Maio) seguinte, a família será protegida durante o ano inteiro — e deste modo nasceu a tradição, ainda hoje preservada, de coleccionar os ovos decorados que são colocados numa bandeja.

O azul de Voronet

À boleia, em poucos minutos, regresso a Gura Humorului. A cidade fervilha de vida com o seu mercado de comida para animais. Percorro dois quilómetros a pé, até ao cruzamento que me irá levar a Voronet. Faço sinal a um casal que vai incitando o cavalo a puxar a carroça e o homem, com umas mãos com uns dedos sapudos, obriga o animal a deter-se e eu salto para aquele que é um dos meios de transporte típicos da região. Apenas trocamos sorrisos, eles, de costas para mim, vão partilhando uns salgados que logo me oferecem, dando mais uma prova da genuína hospitalidade do povo romeno, tão em contraste com a imagem que dele temos.

- Casei com uma mulher natural de Bucovina mas durante uns anos vivi em Madrid. Nessa altura, tive uma namorada espanhola e, pouco depois de a conhecer, convidei-a a visitar a Roménia. Ela mostrou-se sempre renitente, queria todas as informações, exigia contactos telefónicos, saber com rigor os lugares onde supostamente a levaria. Finalmente, acabou por vir e, uns dias mais tarde, admirada, perguntou-me: mas a Roménia é assim, um país tão bonito, com gente tão amável? Eu não lhe disse, mas pensei, enquanto sorria: a ignorância limita as nossas fronteiras.

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